Mostrando postagens com marcador Memória Cultural. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Memória Cultural. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Duda, o operário letrado - em forma de homenagem

Dalila Teles Veras


Estive esta tarde no Cemitério da Saudade, na Vila Assunção, primeiro bairro em Santo André onde residi por nove anos. Naquele cemitério repousam inúmeras personalidades, políticas (como Celso Daniel e uma dezena de outros Prefeitos e políticos de destaque na região do ABC) e artísticas, como Luiz Sacilotto (que, para meu espanto, não consta da galeria de “ilustres” na entrada do local).

Hoje, dia 02 de dezembro de 2017, um domingo nublado, o local acolheu mais um ilustre cidadão, José Duda Costa, chamado por nós, o povo da cultura e da memória, simples e carinhosamente por Duda.



A minha parcela de ativismo cultural deu-me canseiras, contrariedades, mas muitas alegrias. Dentre elas, a felicidade de conviver com pessoas especiais, gente que se destacou por sua singularidade, jamais por celebridade ou fatos midiáticos, muito menos por qualquer espécie de cargo ou poder. Duda foi uma dessas figuras que admirei e tive a honra de receber sua amizade por três décadas.

Foi um homem simples, mas não dessa “simplicidade” que comporta alienação, desconhecimento. Não frequentou escolas superiores, desconfio que apenas as primeiras letras, mas era um grande leitor, o que o diferenciava enormemente.  Lia e decifrava, porque a sede do conhecimento e da participação social o movia. Fez parte de uma geração de operários letrados, engajados, participantes, proponentes e, naturalmente, memorialistas. Desse grupo de “operário padrão” (não naquele enquadramento do “padrão” imposto pelo patrão, mas no da demanda da própria classe trabalhadora, do qual faziam  parte  (e com eles tive a honra de conviver e prezar de amizade), o Philadelpho Braz (hors concours) e muitos outros que já nos deixaram. Alguns deles, temos ainda a sorte de conviver como João de Deus e Alberto Braz (irmão gêmeo de Philadelpho).

A biografia singela de Duda pouco diz do homem que a protagonizou. Nascido em Garanhuns, PE, em 1934, filho de um lavrador que possuía um armazém de secos e molhados (aqui, minha identificação de origens imediatamente assimilada).  Órfão em tenra idade, aos 11 anos, foi para Recife morar com uma irmã casada, onde trabalhou como mecânico. Em 1948, como tantos seus conterrâneos, veio para São Paulo, uma viagem épica, no chamado “pau de arara”,  aventura que ele contava sempre com muita graça. Aqui, veio trabalhar em Santo André, onde teve inúmeros empregos (Fábrica de Doces, cobrador em empresa de ônibus, garçom, cozinheiro e, finalmente, com a vinda das grandes indústrias, operário metalúrgico no então nascente e fervilhante mercado de trabalho (trabalhou na International Harvestes Máquinas, General Eletric e Volkswagen). Tinha conhecimentos de desenho mecânico e fez carreira exitosa nessas empresas. Na Volkswagen, onde trabalhou por 18 anos até sua aposentadoria, foi inspetor de Qualidade do Departamento de Prensas.

Conheci Duda nos primórdios do GIPEM – Grupo Pesquisadores da Memória, fins da década de 80, contato que foi aprofundado na preparação do I Congresso de História do ABC, realizado em 1990 com a inauguração do Museu de Santo André. Sua prosa fácil e bem humorada, recheada de boas histórias era isca fácil à amizade. Foi um frequentador assíduo da Livraria Alpharrabio, participando com muita propriedade das atividades ali realizadas.

A partir daí, eu e muitos outros amigos (muitos dos quais compareceram hoje ao seu sepultamento) nos acostumamos à presença de Duda em todos (sim, TODOS) os movimentos em pról da Memória e preservação do Patrimônio Cultural e Arquitetônico, assim como em todos os 14 Congressos de História do ABC, dos quais participou não só na organização, mas como debatedor, depoente, incentivador e entusiasmado partícipe.



O último deles, já muito debilitado, em Rio Grande da Serra, há pouco mais de 20 dias. Foi conduzido até ali pelo amigo João de Deus que o acarinhou com desvelo durante todo aquele segundo dia do Congresso. Mostrava-se feliz o nosso Duda, estava entre as pessoas que falavam a sua língua, a língua fraterna da memória. Foi sua última aparição pública. A sua presença foi verdadeiramente grata e saudade por todos que ali estavam. 

Viveu lindamente os seus 83 anos. Deixa uma linda família, composta pela Dona Glória, com quem casou há 60 anos, seis filhos, netos e bisnetos. Deixa também um espólio composto por objetos responsáveis por seu conhecimento enciclopédico sobre música popular e clássica (milhares de fitas K7, LPs, CDs), livros sobre os mais diversos assuntos de seu interesse, em especial, biografias. coleções das quais muito se orgulhava e gostava de mostrar aos amigos que o visitavam, recebidos com bolo e chá de maracujá de Dona Glória. Deixa, sobretudo, a memória inesquecível de sua presença como cidadão participante da vida de sua cidade e de sua região.








Duda vive. Viva Duda!



quarta-feira, 14 de junho de 2017

SACILOTTO – crônica e escultura



Dalila Teles Veras

“Sacilotto é a melhor expressão da revolta suburbana. A revolta da lucidez dos que podem ver e plasmar a sobrecoisa que há na coisa, como nessa escultura de esquina que espera os passantes que não a esperam, mas com ela se incomodam (...) Seu ruidoso silêncio convida o homem comum à dúvida”


No último dia 06 de junho, durante a leitura pública de trechos do novo livro de José de Souza Martins, “O Coração da Pauliceia Ainda Bate” (Editora UNESP/Imprensa Oficial, 2017), na Livraria Alpharrabio, o Professor Emérito da USP, nascido em São Caetano do Sul, e desde sempre atento à memória de nossa região, incluiu a leitura da crônica, denominada simplesmente “Sacilotto”. No debate que se deu a seguir, a obra Concreção 005 e sua longa e desastrada história foi um dos assuntos levantados pela plateia, com a denúncia de seu atual estado de degradação. Lembrou-se  ali da criminosa ação  lesa-pátria do poder público que, sem qualquer justificativa plausível, em 2013, retirou a obra de seu local de origem (calçadão da Rua Oliveira Lima com Monte Casseros) e, após dois anos de muitos protestos e movimentação populares, a recolocou, mas deslocada do local anterior e de maneira inadequada, rente ao chão, sobre um círculo de granito, contrariando completamente a forma original e o local concebido pelo autor.  Naquele momento foi sugerida e aprovada por todos os presentes a retomada do movimento “Cadê?”, com o encaminhamento de um ofício ao atual Prefeito da cidade de Santo André apelando para que o conjunto de erros seja reparado e a escultura volte ao seu local de origem e em sua forma original.



Eis que, por um desses quase “milagres”, leio no Diário do Grande ABC do dia seguinte (07.06) a notícia sobre a “recuperação e retorno da escultura ao seu local de origem e na sua forma original”. Viva!
Interessante sublinhar que o senhor Paulo Serra, atual prefeito de Santo André que ora anuncia o desejo de reparar o erro no qual houve tanto gasto e desgaste inúteis, era Secretário Municipal de Obras à época, esteve à frente daquela inexplicável e desastrosa ação, pela qual, inclusive, responsabilizou-se publicamente. Hoje, há um detalhe que faz toda a diferença nesse cenário: a Secretaria de Cultura é comandada por quem entende do riscado, conhece a cidade, tem a prática e sensibilidade para ouvir, bem como bagagem acumulada para discernir ações. Isso, certamente, pesou nessa tomada de decisão.
Assim, pela primeira em minha longa história de ativismo cultural não cumprirei um encargo, ou seja, o que me foi atribuído na reunião citada, ou seja, redigir um ofício, assinado coletivamente, para reiniciar um movimento popular. Como raras vezes acontece, o poder público agiu antes. Cumprimentos à Secretária de Cultural, Simone Zárate por ter lembrado que a escultura é parte integrante daquele lugar, em sincronia com os anseios da comunidade.
Encerro com a palavra do Professor Martins, na já citada crônica, que reforça o quanto a arte é importante nesta nossa história que é a história do trabalho:
 “Nas suas concreções, a linha reta se move, ondula, vive, é polissêmica, em rebeldia contra a unicidade da retidão linear. E desdiz o aparente, ao desvelar a poesia que há no trabalho”. 

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Notícia da I reunião preparatório do XIV Congresso de História do Grande ABC

  


  

O município de Rio Grande da Serra reafirma seu compromisso em realizar o XIV Congresso de História do Grande ABC no próximo ano, completando, desta forma, dois ciclos completos ao longo de 27 anos, nos quais foram promovidos dois Congressos em cada uma das sete cidades do ABC.
Para tanto, em colaboração com o Consórcio Intermunicipal, convocou a primeira reunião preparatória que foi realizada no dia 18 de junho, nas dependências de um equipamento público da cidade, o CREB Mário Covas. A reunião decorreu num clima muito fraterno e animado. Diferentemente do último Congresso, a equipe da Prefeitura não veio com nenhuma proposta pronta. Veio para ouvir, ou seja, entendeu a proposta de construção conjunta (Sociedade Civil e Prefeituras) que tem sido a tônica dos Congressos.




Boas contribuições surgiram durante a discussão, com a participação de todos os presentes. Dentre muitas, a questão (premente) das águas, inclusive, já com sugestões de nomes a convidar; a questão das migrações e emigrações; A secretária Aida disse que envidará esforços no sentido de realizarem vídeos com depoimentos de memorialistas e moradores antigos da região, gravados ao longo do período de preparação do Congresso.  


Algumas de minhas sugestões durante a reunião:
-  Fiz um apelo aos presentes para que seja realizada uma força-tarefa no sentido de ampliar a divulgação do Congresso e envolver as universidades nesse processo, pois essa tem sido uma lacuna ao longo de toda história dos congressos que, diga-se, também precisa ser contada, ou seja, a história de um Congresso, único no seu gênero e no modo como é construído e conduzido, com a contribuição de acadêmicos e memorialistas espontâneos.

- Sugeri que este congresso homenageie a Dra. Gisela Saar, memorialista e incansável ativista pela preservação da história e do patrimônio local, lembrando que quando da realização do 7º Congresso em RGS, há 15 anos, grande parte das reuniões foram realizadas na própria casa dela que funcionou por muito tempo como Secretaria de Cultura de fato. Lembrei ainda que naquele 7º Congresso houve um meritório empenho local em envolver as escolas, professores e alunos, com atividades prévias e frequência interessante durante o Congresso. Nesse sentido, Aida Jardim Teixeira, Secretária de Educação mostrou-se bastante receptiva. 

- Sugeri que a próxima reunião fosse realizada no Consórcio, em Santo André, a fim de facilitar a participação dos que têm dificuldades de ir até RGS. Marta Lima, secretária do Consórcio,acaba de confirmar, por email, que a II reunião preparatória ficou agendada para o dia 03 de agosto, às 14h00, no Consórcio. 

A sociedade civil, como sempre, esteve representada por memorialistas históricos e desde sempre comprometidos com a realização dos Congressos; membros do Grupo de Trabalho (GT) História e Memória do Consórcio Intermunicipal Grande ABC e membros da Secretaria de Educação e Cultura do município sede. O Fórum Permanente de Debates Culturais esteve representado pro três membros de seu grupo gestor. 




Mesmo com dificuldades de locomoção, a dra. Gisela Leonor Saar, acompanhada de familiares, também compareceu à reunião, demonstrando entusiasmo. Na ocasião, doou 2 volumes encadernados com vasto material recolhido por ela com a história da Capela de São Sebastião do Séc. XVI, o mais importante patrimônio da cidade.

Ao final da reunião, foi oferecido aos presentes um “tour” à capela e à Pedreira. Até o “fog” característico apareceu para lembrar que estávamos na mata Atlântica e, a contar com a animação, o XIV Congresso já começou e começou muito bem.



dalila teles veras












quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Mais um patrimônio histórico da região corre risco de desaparecer - vamos nos mobilizar

Foto: Divulgação/Internet
Este assunto, Urgente e importante, foi pauta da nossa reunião do último dia 25, no Fórum Permanente de Debates Culturais do ABC. Além de comparecer ao ato do próximo dia 01, segunda-feira, na Câmara Municipal de Ribeirão Pires, quando será votado o projeto de lei da venda da área onde se encontra o antigo Moinho de Trigo Fratelli Maciotta (Chamado de Fábrica de Sal) você pode assinar a Petição a favor da preservação da Fábrica, aqui




CARTA ABERTA

Não deixe o prefeito e osvereadores demolirem o primeiro moinho a vapor do estado de São Paulo! No dia 1 de fevereiro, segunda-feira, às 14h na câmara municipal de Ribeirão Pires, será votado o projeto de lei da venda da área onde se encontra o antigo Moinho de Trigo Fratelli Maciotta (chamado de fábrica de sal). neste mesmo dia, convocamos historiadores, pesquisadores e memorialistas do ABC para um ato em defesa do Moinho Fratelli Maciotta, um prédio histórico com mais de 117 anos. Diga não ao shopping  fantasma do Saulo. Não queremos mais um best shopping no abc! em defesa do patrimônio cultural do abc! estão destruindo o patrimônio de Ribeirão Pires por ganância e dinheiro. Lembre-se, é ano de eleição. Será que alguma conta está sendo irrigada com dinheiro de propina para a construção do shopping? 
Participe, convide seus amigos e divulgue os argumentos do conselho de patrimônio: 1. Você sabia que a antigaFábrica de Sal foi o primeiro moinho a vapor do Estado de São Paulo e se chamava Molino di Semole Fratelli Maciotta (Moinho de Trigo Irmãos Maciotta)? 2. Você sabia que ele é o segundo moinho mais antigo do Brasil, perdendo somente para o Moinho Fluminense, no Rio de Janeiro (128 anos)? 3. Você sabia que o prédio do moinho foi construído em 1898 em Ribeirão Pires e tem mais de um século de existência (117 anos)? 4. Você sabia que o prédio foi muito bem construído pelo engenheiro italiano Frederico Maciotta, que investiu 500 mil liras italianas para construí-lo e que não temos outro exemplar arquitetônico no Estado, somente esse? 5. Você sabia que a técnica de construção civil aplicada por Frederico Maciotta, com fundação de pedra, argamassa de saibro, tijolos de olaria e sem nenhuma armação de ferro, já não existe mais e que o prédio preserva essa técnica? 6. Você sabia que até a construção do moinho a vapor em Ribeirão Pires, usava-se moinhos com tração animal e que os irmãos Maciotta trouxeram uma nova tecnologia que revolucionou a produção de farinha de trigo no Estado de São Paulo?
7. Você sabia que o Moinho de Trigo Fratelli Maciotta foi um marco na fabricação de pão no Grande ABC e em São Paulo, pois a farinha de trigo era importada, e com a fabricação da farinha de trigo “Flórida”, em Ribeirão Pires, reduziu-se muito o custo do pão? 8. Você sabia que a cultura da gastronomia de massas é uma herança direta dos italianos, cuja contribuição dos irmãos Maciotta é inegável? 9. Você sabia que apesar da constante trepidação dos trens, o prédio de 117 anos não tem sequer uma rachadura, portanto, não está condenado? 10. Você sabia que o prédio é um testemunho edificado da imigração italiana no Brasil e que os seus construtores, os irmãos Octávio, Anacleto e Frederico Maciotta vieram de Turim e Gênova, na Itália, para investir em Ribeirão Pires? Por todos esses motivos, o Conselho de Patrimônio protocolou em agosto de 2015 um pedido de tombamento (proteção) do prédio no CONDEPHAAT. Neste momento, o processo está tramitando para que o edifício seja reconhecido como patrimônio cultural do Estado. O Prefeito diz que precisa gastar 7 milhões para restaurar o prédio, mas gastou 14 milhões do DADE só no “Teleférico Cidade Encantada”! E mente ao dizer que não está usando o dinheiro da cidade, pois dinheiro do DADE é dinheiro nosso,que temos o direito de receber todo ano por sermos uma Estância Turística. O Prefeito diz que a contaminação do sal inviabiliza o prédio. Mentira! Se deixar o prédio como monumento aberto ao público, sem atividade permanente, somente com visitação, não há riscos para a população. Também não existe risco de desmoronamento, pois a própria Defesa Civil fez um relatório em 2013 alegando não haver sequer uma rachadura na estrutura.  O prédio não precisa ser um centro cultural! Defendemos que ele seja mantido como um sítio arqueológico para visitação. Assim como as pirâmides do Egito, a Acrópole e as Ruínas dos Sete Povos das Missões não viraram um centro cultural e são sítios arqueológicos onde os turistas visitam apenas para conhecer a edificação e o monumento, o Moinho de Trigo Fratelli Maciotta pode ser um sítio arqueológico industrial do ABC, que remonta o início do desenvolvimento econômico e industrial de São Paulo e ajuda a contar a história da imigração italiana no Estado e no Brasil.
Não queremos shopping! Não queremos mais um caixote de concreto que vai estragar a paisagem de Ribeirão Pires! Não queremos os subempregos gerados pelo shopping, queremos empregos de verdade para a cidade! Não queremos um shopping fantasma em Ribeirão Pires, como o Best Shopping de São Bernardo, que nunca vingou, foi à falência e ficou fechado por 14 anos gerando prejuízos para a cidade. PENSE NISSO

domingo, 20 de janeiro de 2013

Imediatismo


Simone Massenzi Savordelli

Passado o tempo de festas e consequente reflexão sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre todas as coisas, percebi que o imediatismo impera.
Em alguma passagem de minhas leituras, vi uma colocação de um grupo no sentido de que os jovens também possuem memória. Algo que poderia pretender confrontar a memória passada com a memória presente. Algo que poderia pretender dar à memória presente e jovem uma maior importância.

A memória é sempre memória. Não há relação de maior ou de menor importância entre situações que são peculiares e que guardam o seu próprio momento.
O presente, um dia, será passado e tudo o que fazemos no presente poderá ter relevância, ou não, para ser fixado como memória. Memória no sentido de ser um ato, um fato, ou um pensamento que deve ser preservado, lembrado e utilizado como instrumento de base cognitiva para as gerações que vierem depois. É esta a importância da memória: o seu feito.

Os jovens constroem memória, certamente. Mas, creio que atualmente o que ocorre é uma corrida para a quantidade e não para a qualidade. O interesse tem o instante de um relâmpago. Parece que tudo acontece ao mesmo tempo, rápida e superficialmente. Há um imediatismo e uma ansiedade pelo próximo fato, pelo próximo acontecimento e para que todos os resultados sejam “agora”.
Neste contexto, fixar a memória é mesmo uma busca e uma luta porque as informações evaporam no espaço e no tempo.

Dentro desta necessidade do imediato a vida gira em torno de fragmentos, há dificuldade de organização e a desmaterialização torna a vida confusa e ... a memória deste tempo ...
A era digital traz uma facilidade de comunicação surpreendente, mas também fecha pessoas em cubículos e propicia o pensamento individual. As informações são tantas e tão passageiras que as manchetes se tornam a notícia inteira. O conteúdo, por vezes, é muito pouco aprofundado pelo receptor da mensagem.

Vale a imagem, poucas palavras, pensamentos curtos e conteúdo de pouca reflexão. Tudo para ser rápido. Tudo para ser muito. Muitos e-mails, muitas fotos, muitas mensagens... Mas, quando se pede para dizer sobre o que se viu: o que se viu?
Um disco em alta rotação, eu diria. Ele rodou inteiro, mas a música não tocou.

Diante da vida digital e moderna, é natural que jovens lutem por sua memória.
Mas, devo me insurgir para que esta memória seja rigorosamente registrada em seu conteúdo, com a calma necessária de uma vida inteira que naturalmente é percorrida. Há tempo! A memória é algo em constante construção.

Um átimo pode ser muito, ou pouco tempo. Tudo depende do propósito e do interesse de aprofundamento do pensamento que cada um possa ter, por si e pelo coletivo.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Rompimento

Simone Massenzi Savordelli
Há dias estou pensando nesta palavra: rompimento.
O sentido, em regra, atribuído a esta palavra tem uma conotação negativa. Romper significa partir; dilacerar; quebrar; dividir com violência. Mas, há tempos concebo um significado ao rompimento que implicitamente, muito embora o praticasse, não detinha a consciência plena do que empreendia.
Explico.
Ao ler o livro “Uma Arqueologia da Memória Social – Autobiografia de um Moleque de Fábrica” do Professor José de Souza Martins, tive muitas revelações. Revelações do inconsciente para o consciente que me levaram à compreensão do significado que há muito venho atribuindo ao “rompimento”.
Naquela leitura compreendi os pensamentos do meu pai que descende de imigrantes que chegaram ao Brasil nos idos de 1880 com o intuito do trabalho. Aqueles que “romperam” com suas culturas desbravando um mundo desconhecido para criar o verdadeiro “novo mundo” e passaram por profundas mudanças; tentando preservar suas origens mas tendo que se adaptar a novos costumes e conceitos. Aquelas pessoas não aceitavam tão facilmente o “rompimento”, mas as contingências da vida e suas escolhas assim as obrigaram.
Vieram as novas gerações e, com novos pensamentos nascidos já no novo mundo, atribuíram novos valores aos costumes. Mesmo aqueles que deram continuidade às suas culturas originárias, a elas deram um ar moderno e assim romperam com o pensamento original de seus antepassados.
Na passagem do Professor Martins aonde ele relata sua pretensão de seguir um caminho estranho ao caminho, até então, traçado por seus familiares mais próximos, compreendi que o rompimento pode ser algo positivo. O rompimento pode ser uma forma de evolução.
Podemos romper conceitos sem deles nos desligar e sem desrespeitar aqueles que os defendem por suas convicções, por seus costumes, por suas próprias ambições ou dificuldades. Podemos romper para seguir novos caminhos sem sermos violentos, sem sermos estrangeiros ou alienígenas.
Com esse pensamento entendi que ao longo da vida fui rompendo com conceitos pregados por familiares e amigos sem deles me distanciar e sem deles perder fortes vínculos.
Pensando nestes preceitos acabei por entender que no meio cultural o rompimento também pode ser algo positivo. Talvez falte maior empenho para romper com práticas e conceitos que impedem a construção do “novo mundo”. Debater, pensar, estudar e fazer um novo caminho. Ter consciência do que é possível e realizar. É o que espero que aconteça para o futuro acolher a cultura como fonte de formação da consciência social, rompendo conceitos, permitindo a evolução e a valorização do que foi passado.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Cinema Para Todos

             Neusa Borges

     Alguns disseram que não haveria público. Afinal, os moradores do lugarejo não têm o hábito de ir ao cinema, mesmo porque não há um único sequer naquelas bandas. Sem contar que o filme em questão não tem nenhum artista famoso no elenco.
     Mas o espaço do ginásio esportivo de Cícero Dantas, uma pobre e pacata cidadezinha baiana com cerca de 80 mil habitantes, ficou apertado para as mais de 600 pessoas que foram assistir Cabra Bode, o mais recente filme do cineasta Milton Santos.



     No dia 17 de dezembro de 2011, ao lançar o documentário em cinema de São Bernardo, Milton anunciou que faria exibição do filme na cidade de Cícero Dantas, pois lá aconteceram as filmagens, com os atores da localidade e, portanto, ele entendia que seria importante retornar à comunidade e mostrar o resultado do trabalho.

     Após os festejos de ano novo, era chegada a hora de marcar a data da exibição: 14 de janeiro de 2012. Teve divulgação na rádio e no jornal da cidade. Também ajudou muito um grande banner doado por mestre Ditinho da Congada, o qual foi afixado na entrada do clube.




     A história de uma família pobre do sertão nordestino, que vê um dos seus membros transformar-se em um bode após comer os testículos do animal, atraiu tanta gente, que muitos não se incomodaram em assistir em pé, uma vez que não havia assentos suficientes para todos. Entre o público presente, estavam os 15 atores amadores (todos moradores da cidade), que atuaram no filme cuja trilha sonora é do músico Zé Campelo.

     Milton Santos retornou feliz a São Bernardo, consciente da grandeza da sua missão em propiciar momentos de pura magia e emoção àqueles que ainda vivem na exclusão social e cultural.


     O sociólogo José de Souza Martins, no seu livro “Uma Arqueologia da Memória Social”, relata: “Pobre, no Brasil, ainda é culturalmente desprezado e depreciado, como se não estivesse à altura de entender um poema de Brecht, uma tela de Portinari, um oratório de Bach, um romance de Machado de Assis”.
     O sociólogo tem toda razão. E, pelo exemplo da experiência em Cícero Dantas, não há dúvida de que os pobres não somente desejam ir ao cinema, como também querem ver a sua cara retratada na tela mágica.

     Milton Santos sabe disso há muito tempo. Ainda bem.


segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O centenário de Octaviano Gaiarsa e a historiografia da história local

                                                                  Dalila Teles Veras

            No último mês de julho decorreu o centenário do andreense Octaviano Armando Gaiarsa, autor, dentre muitas obras, de "A cidade que dormiu três séculos".  A cidade de Santo André que até hoje adota oficialmente a concepção histórica de Gaiarsa (ainda que por muitos hoje contestada) cochilou feio e não se lembrou da data. Nenhuma comemoração "oficial" foi vista por aqui. Não fosse o jornalista Ademir Medici a lembrar da efeméride em várias  matérias dedicadas  ao aniversariante em sua coluna Memória, no Diário do Grande ABC,  a data teria passado completamente em branco.
            Gaiarsa não era propriamente um historiador (pois não tinha formação científica específica), mas teve o mérito de guardião da memória local e um dos pioneiros a registrar essa memória, registros que, diga-se, serviram para que muitos acadêmicos, provocados justamente pelas "imprecisões históricas", transformassem esses registros em desafios para pesquisas, dissertações e teses, ainda que algumas delas viessem justamente para "desconstruir" essa história.
            O próprio Gaiarsa, em palestra proferida na Livraria Alpharrabio, sob o título Santo André de Ontem, dentro do ciclo "O Criador e a Cidade" (fevereiro de 1993),  humildemente admitia que "levantou a poeira" e que "essa semente frutificou" nas cerca de duas centenas de trabalhos versando sobre o ABC que circulavam à época. (*)
            Apesar de considerá-lo um intelectual de pensamento conservador, membro e legítimo porta-voz da elite intelectual e econômica de seu tempo, devo confessar que nutria admiração pelo ser humano que era e, sobretudo, por sua ânsia permanente de saber, seu entusiasmo, sincero, diante das próprias descobertas.
            Certa feita, meados dos anos 80, numa das tardes que passei conversando com ele em seu apartamento da Rua Monte Casseros (por mim denominado de "laboratório alquímico"), após  mostrar-me alguns de seus originais, destacar livros de sua biblioteca, vidrinhos com terra retirada quando da escavação do que hoje é nossa Av. Perimetral, levou-me à área de serviço da casa para mostrar-me  alguns de seus "experimentos" com casulos e gravetos. Fiquei emocionada ao ver o entusiasmo menino do já então octogenário diante da evolução de suas pesquisas. Tinha interesse por absolutamente tudo, desde botânica, medicina (profissão que exerceu durante toda a vida), literatura, paleografia,  heráldica,  fotografia, enfim...  Guardava, arquivava tudo, zeloso guardião de nossa história.
            Após aquela visita, dediquei-lhe este poema que publiquei a seguir no livro Subvertida Palavra - Coletânea Livrespaço IV  (1988).  

Busca e Certeza 
           para Octaviano A. Gaiarsa

Nos gravetos e tramas de casulos
no intricado desenho de moléculas
no contorno de antigos epigramas
nas imagens recriadas no ampliador
a busca, incansável, da beleza.

No registro do momento
na estante atulhada de memória
na guarda da história
a procura do eterno.

A vida atrás dos traços
a vida atrás das lentes
a vida na palavra precisa
macerada - fibra viva
a certeza de amarrar emoções.

            Recentemente, ao ouvir a professora Sandra Perez proferir a palestra "Santo André: a invenção da cidade", tema de sua dissertação para obtenção do título de Mestre em História Social, na Universidade de São Paulo (**),  pude, finalmente aclarar, à luz daqueles argumentos científicos de sua pesquisa,  muitos das dúvidas que me assaltavam ao ler os livros de Gaiarsa , muito em especial, sobre a opção oficial pela manutenção da data de fundação da cidade, ou seja, a data quinhentista que nada tem a ver com a cidade nem a região do ABC de hoje, dúvidas muitas vezes por mim abordadas em crônicas publicadas na imprensa e no meu blog.  

            Gaiarsa faleceu no dia 16 de junho de 2005, aos 93 anos de idade e a cidade de Santo André teve a sensibilidade de homenageá-lo.   Em 2006, um ano após sua morte,  o Museu municipal passou a denominar-se Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa. Nada mais justo. O Museu que funciona desde 1990 no prédio do antigo I Grupo Escolar do ABC, onde Gaiarsa aprendeu as primeiras letras, hoje preserva sua coleção de documentos pessoais, jornais, livros e objetos que somam mais de 3.000 itens, além de um inestimável acervo de 2.000 fotografias sobre a cidade, doados por ele e, posteriormente, por seus familiares. 

            Curioso constatar que nem mesmo o Museu que leva seu nome lembrou do seu centenário. Esta seria, e ainda é, posto que o ano  não terminou, uma boa oportunidade para mostrar ao público parte desse precioso acervo que está sob sua guarda e promover, além de visitas guiadas à exposição iconográfica de seu patrono, um ciclo de palestras de pesquisadores que, assim como a prof. Sandra Perez, acima citada,  estudam, à luz de outras formas de análise histórica e sociológica, a história que o pioneiro Gaiarsa registrou.

(*) Essa palestra e o debate dela decorrente, estão transcritos no livro Alpahrrabio 12 anos: uma história em curso (Alpharrabio Edições, 2004).

(**) A íntegra da dissertação pode ser lida no site da USP:

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

No fim do túnel ainda há comunicação

Valdecirio Teles Veras
         No período que apelidaram de “chumbo” surgiram alguns jornais que faziam frente aos grandes da imprensa burguesa. Eram os nominados “nanicos,”, o mais destacado deles foi o Pasquim. Outros veículos de comunicação surgiram como a Tribuna Metalúrgica que completou 40 anos de existência neste julho. O jornal nasceu da necessidade do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, hoje Metalúrgicos do ABC, dialogar com seus associados e como melhor organizá-los no chão da fábrica. Tarefa difícil que importava em vencer as barreiras impostas pela classe patronal e o ambiente ditatorial que vivenciava o país onde as liberdades democráticas não eram respeitadas. A empreitada foi vitoriosa, prova disso foram as greves levando a mudanças políticas e trabalhistas. 
     Com o mesmo propósito Comissões de Fábricas também publicam boletins informativos, como é o caso do boletim da Comissão de Fábrica dos Trabalhadores  da  Ford que festejou seus 30 anos em julho e nasceu para transformar as relações de trabalho.
     Publicações como o ABCD Maior (cinco anos) o Brasil de fato (9 anos) Revista do Brasil (5 anos) continuam como um oasis resistindo neste grande deserto formado pelos jornais representativos do grande capital, nem sempre nacional,  aliado a interesses não coletivos.
          A imprensa, cognominada como “quarto poder”, que julga e condena inocentes, deve ficar alerta, pois gigantes, assim como Golias, podem encontrar pela frente um Davi. Exemplo disso é a penetração dos blogs  e dos jornais citados, uma mídia nada desprezível.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Preservação da Memória

Simone Massenzi Savordelli

Muito se diz pela preservação da memória de alguém que passou pela vida deixando sua marca para não ser esquecida. Mas, as perguntas que faço são: o que é a preservação da memória? quais as ações que devem ser adotadas em prol da preservação da memória? o que se espera pela preservação da memória?

O primeiro passo foi tentar entender o que é memória e, segundo ‘Caldas Aulete’, memória é a ‘faculdade de conservar a lembrança do passado ou da coisa ausente’. Curiosa, o próximo passo foi me dirigir ao conceito de lembrança e no mesmo ‘Caldas Aulete’ verifico que a lembrança pode ser entendida como o ‘pensamento que se conserva por certo tempo na memória’.

Talvez uma conclusão lógica seja a de que a preservação da memória significa manter algo conservado e guardado de modo a não se perder no tempo.

Mas, pensando na trajetória de um artista, tenho que as pessoas que se dedicam à arte desejam expressar seus sentimentos, ideias, conceitos, pensamentos e momentos de modo a deixarem suas marcas eternizadas. O artista, por meio de sua obra, se mantém vivo por um tempo indeterminado. Assim, a preservação da memória de um artista que já não mais está presente é o meio de mantê-lo presente.

Para manter o artista presente, a preservação da memória deve ser “ativa”, ou seja, a obra do artista deve ser acessível para fazer com que o artista continue sua trajetória, pois se a preservação for no sentido de conservação do acervo com inúmeras restrições de acesso ao público, o artista acabará sendo lembrado por poucos e aos poucos sua memória se tornará uma espécie de “arquivo morto” aonde alguns irão se dirigir para eventuais pesquisas históricas e a memória será mais uma lembrança do pensamento que uma ‘preservação da memória do artista’.

Entendo a preservação da memória como a preservação da vida e da obra do artista assim como ele mesmo o fazia. Entendo que a melhor forma de preservar a memória é fazer com que a obra do artista continue “ativa”, “viva”, “acesa” e “acessível” com todos os cuidados inerentes à peculiar situação de obras que se tornam únicas com a ausência do artista.

Neste sentido, as ações dirigidas aos acervos de artistas ausentes são tão importantes quanto as ações pensadas para os artistas em pleno desenvolvimento criativo e neste caminho a ‘faculdade de conservar a lembrança do passado’ transcende a simples preservação da memória para alcançar a preservação do artista e da sua obra dando-lhes o devido valor.