Mostrando postagens com marcador Reunião mensal. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Reunião mensal. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 27 de abril de 2016

“Batalha da Matrix – Cultura, Juventude e Direitos Humanos”.



Dalila Teles Veras



A reunião mensal do Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC, do mês de fevereiro último, teve como pauta principal a discussão denominada “Batalha da Matrix – Cultura, Juventude e Direitos Humanos”.



Como convidado especial para discorrer sobre o tema, ouvimos o advogado Ariel de Castro Alves coordenador Estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos que esteve muito tempo à Frente da Fundação Criança em SBC, responsável por acionar a Ouvidora Pública do Estado de São Paulo para instalar inquérito no sentido de apurar as irregularidades de uma desastrosa e violenta ação policial (policiais militares e municipais) ocorrida no dia 26 de janeiro deste ano durante a Batalha da Matrix, evento semanal que reúne centenas de jovens para “batalha de rap” na Praça da Matriz em São Bernardo do Campo.







Desde o início daquela atividade, o Fórum vem ouvindo jovens representantes da Batalha da Matrix que relataram a dificuldade de diálogo com a Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo no sentido de encontrar uma solução para essa manifestação de jovens em espaço público.





Como convidados, também contamos com a presença de Marcelo Dino Fraccaro, Diretor do Departamento de Ação Artística e Cultural e Fernando Borgomoni, Diretor do Departamento de bibliotecas Publicas e Preservação da Memória, ambos da Prefeitura Munciipal de SBC.



Antes de passar a palavra ao convidado Ariel de Castro Alves, Dalila Teles Veras informou que foram convidados os jovens Cario César Lopes e Lucas, ambos da Batalha da Matrix, mas que, horas antes da reunião informaram terem sido convidados à última hora para uma reunião no gabinete do Prefeito de SBC, em horário coincidente com o da reunião do Fórum. Essa reunião com o Prefeito havia sido adiada sem data e só hoje foi confirmada à última hora.




Ariel iniciou sua fala discorrendo sobre fenômenos recentes de protagonismo juvenil como a Ocupação das Escolas e o Passe Livre, pautas que foram tomadas pelos segmentos sociais e que ganharam força justamente pelo protagonismo dos jovens. Não é diferente dos que acontece com os jovens da Batalha da Matrix que querem atividades protagonizadas por eles que já demonstraram possuir um protagonismo importante. Disse compreender que o poder público também recebe pressões, mas que no dia 26 de janeiro a PM extrapolou, usando balas de borracha, ação que está proibida desde 2013, sendo que a Corregedoria da PM instaurou inquérito a respeito. Os chamados “rolezinhos” nos Shopping, ocorrências nas quais Ariel entreviu, com o argumento de que “todos são iguais perante a lei”. A Prefeitura de SP fez um trabalho importante que acabou minimizando esses problemas permitindo atividades dos jovens nos estacionamentos.



Ariel: “quando dei os exemplos dos outros movimentos, quis dizer que todos são anárquicos e não personalistas. Eles sempre consultam seus pares. A minha preocupação, como defensor dos Direitos Humanos, é a de que não podemos aceitar que essa função seja alvo de uma intervenção violenta, com gás lacrimogêneo e com a própria Prefeitura assumindo na imprensa ter chamado a tropa de choque que se portou como o Governo Alckimin que tanto combatemos. Já recebi acusações de que defendo bandidos e, na comissão da infância da OAB eu não posso levar estas questões, pois os próprios advogados não concordam com esses movimentos, defendem a posição dos comerciantes locais."







Fernando Borgomoni: “A Batalha foi um sucesso em pouco tempo e se multiplicaram. As obras contras as enchentes no Paço Municipal expulsaram os jovens que foram para a Praça da Matriz. A partir de um depoimento do Secretário de Cultura, a Prefeitura viu-se na obrigação de apoiar o movimento. Isto ficou claro na secretaria de Cultura mas não foi do governo como um todo. Passei a ir para a batalha para observar o que estava acontecendo. Antes de tudo era uma questão social. Temos ali duas frequências diferentes: o público da Batalha, que vão lá com essa finalidade específica, ou seja, a batalha de rimas, do hip hop, que fica na parte de baixo da praça. Na parte de cima, jovens que vão para lá para se reunir, mas sem se interessar propriamente pela batalha. O Pessoal da Batalha tem muito claro que ocupam um espaço público, levam sacos de lixo, apelam para não usarem drogas, para que não usam palavras chulas, sem agressões verbais. Há uma preocupação com a ordem por parte deles. Num determinado momento eles foram ameaçados por traficantes. Lucas, um dos líderes, fez um croqui determinando e reivindicando proteção indicando onde a PM de deveria ficar posicionada. A Batalha não tem como objetivo o confronto com a Sociedade. Juntamos o movimento hip hop organizado, chamamos essas lideranças, mas houve uma certa desconfiança do pessoal da Batalha em relação à geração mais velha do hip hop e não conseguiram conversar.”




A seguir, leu um relatório da Secretaria de Cultura, datado de 2014, no qual havia sugestões de incorporar à Batalha uma série de atividades coordenadas pela Secretaria, como oficinas, e inclusive, “aulas de evangelização” por jovens ligados à Juventude Católica daquela Igreja Matriz, informações que foram alvo de acalorado debate entre os presentes. Perguntado sobre o resultado dessas sugestões, disse que não houve prosseguimento no diálogo, uma vez que os jovens da Batalha querem ser protagonistas e não se submetem aos modos antigos de participação. Até hoje, informou ainda, a Prefeitura, por falta de verba, não conseguiu atender as reivindicações de apoio, como instalar banheiros químicos.





Já Marcelo Dino Fraccaro, enfatizou a complexidade do assunto que requer uma discussão ampla, dizendo que “o estado não consegue acompanhar os movimentos com a rapidez esperada, além das dificuldades de dar respostas”. Informou ainda que “há um entendimento da Prefeitura de que estamos abertos não só em buscar o diálogo com a Batalha, mas também buscar soluções. Estamos tentando concluir um Plano Municipal de Cultura com algumas Secretarias envolvidas nesse debate”.

Presente à reunião, o Luiz Roberto Alves diz-se atento e curioso a esse assunto remetendo-o ao início do Hip hop em SBC, à época em que era Secretário de Cultura, lembrando de Dilma de Melo e Silva e Neusa Borges, que tiveram papel fundamental em ouvir e mediar os jovens de então. Tínhamos “lado” e, como método, entender e atender o que eles reivindicavam, ou seja, muito pouco, um somzinho, uma plataforma. Hoje mudanças. Hoje eles gostam de dar o nome de coletivo, mas esse coletivo tem muito pouco a ver com o problema organizacional e o único caminho para o poder público é construir políticas públicas integradas, única solução para aquele mundo organizado que não no poder público, integrar 6 ou 7 Secretarias para viabilizar soluções a favor do novo que não entendemos ainda mais que cada vez vai se apresentar. Querer ser aberto numa sociedade cada vez mais conservadora. Momentos como este, aqui no Alpharrabio, ficam à parte do oficial, mas são capazes de pensar.”






domingo, 13 de dezembro de 2015

Fórum 8 anos – Festa e Congratulações




A última reunião de 2015 do Fórum Permanente de Debates Culturais de balanço e também festiva.
Foi avaliado o Ciclo Cultura sem Carimbo, que desde 2014 já gravou depoimentos de treze coletivos do ABC, em nove edições. Essas gravações encontram-se no Núcleo Alpharrabio de Referência e Memória, à disposição de pesquisadores e interessados.
O Fórum esteve representado em momentos importantes da cultura regional, como o 13º Congresso de História do ABC, Conferências de Cultura, Audiências Públicas. Manteve o blog O lugar escrito em atividade, bem como sua página do Facebook.
A discussão e o estudo de políticas públicas da cultura e a conjuntura local sempre estiveram presentes nas reuniões mensais.



Por fim, foi dado a conhecer o conteúdo do ofício de congratulações pelos 8 anos, assinado pelo Prof. Dr. Daniel Pansarelli, Pró-Reitor de Extensão de Cultura da Universidade Federal do Grande ABC que vai abaixo reproduzido.
O já tradicional brinde foi seguido do bolo, uma vez mais, confeccionado por Laura Borges Nogueira.



quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Hip Hop – um retrato falado

CULTURA SEM CARIMBO IX – Hip Hop – um retrato falado



Na reunião mensal do mês de outubro, o Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC promoveu a nova edição do Ciclo Cultura Sem Carimbo que já ouviu depoimentos de quase duas dezenas de representantes de coletivos e produtores independentes individuais do grande ABC.

Desta feita, convidou dois pioneiros da Cultura Hip Hop em São Bernardo do Campo, Fábio Santana Santos e Marcos Roberto da Silva, que narraram suas experiências de arte e vida, desde o surgimento daquela manifestação cultural até os dias de hoje. A conversa foi mediada por Neusa Borges, que bem acompanhou de perto toda essa trajetória:



Fábio Santana Santos, conhecido pelo nome artístico de SAN AJAMU OADQ, um dos precursores da Cultura Hip Hop em São Bernardo, em 1988, iniciou sua fala referindo-se à época de estudante, no Jardim Farina, onde estudou com Marcos Roberto, conhecimento pelo nome artístico de BLACK ALQUIMISTA,  quando começaram a frequentar os bailes black, organizados por Mr. G., verdadeiros locais de encontro. Saíamos atrás da compra, com muito sacrifício, de LPs de Hip Hop americano, com vocal e instrumental e em cima do instrumental, colocávamos as nossas letras. Nós fazíamos a cena e éramos nosso próprio público.

Daí em diante, ambos, Fábio e Marcos, unidos pela força da longa camaradagem e trajetória comum, passaram, em dueto, aos depoimentos, dos quais, passamos a selecionais alguns fragmentos
- Falamos aqui da Cultura Hip Hop e seus 4 elementos: Dança, DJ, MC e Grafite.
-No início, nós só queríamos cantar, mas com o tempo o Rap foi se politizando e passando a contar suas próprias histórias.



- Íamos pra a Capital, aprender com o pessoal de lá e havia de tudo, Concurso de Rap através do Clube do Rap que promovia encontros num determinado Bairro de São Paulo. No Metrô São Bento, apresentávamos dança, depois na Praça Roosevelt. Por questões financeiras com o deslocamento, passamos a buscar espaços no ABC. Primeiro no terminal Ferrazópolis. Foi quando surgiu a oportunidade de um espaço no Sacolão da Av. Peri Ronquete, onde havia uma quadra de futebol. Lá, nos sábados à tarde, nos apresentávamos. Levávamos um gravador a pilha, mas isso se mostrou inviável pelo custo das pilhas. Foi quando passamos a utilizar energia roubada, sem ter consciência do que isso significava. Tínhamos por volta de 14 anos. Dali, passamos para a pista de Skate no Paço Municipal. Paralelamente, aconteciam os bailes, os festivais de Rap, o rádio. As equipes de Hip Hop tinham horário na  Rádio Bandeirantes. O rádio foi o grande difusor dessa cultura. A MTV também transmitia RAP de madrugada.

-Em 1990 fomos ao Departamento de Cultura de São Bernardo do Campo, atrás de uma tomada para o nosso equipamento e isso foi a nossa salvação. O Secretário, à época era o Luiz Roberto Alves. e a equipe nos mostrou que o que fazíamos era arte e que isso precisava ser apoiado. Nós não sabíamos. A Secretaria de Cultura promoveu um projeto Piloto nos bairros com apresentações e encontros. Fomos os primeiros a fazer contato com o Poder público.



- Antes, pagávamos para cantar nos bailes (a entrada dava direito à apresentação), depois disso, a partir de 1990, passamos a ter apoio público em espaço cedido pela Prefeitura. Aí começa o movimento de rua que chegou a reunir 30 grupos. A Secretaria de Cultura de SBC organiza o 1º livro de Hip Hop Brasileiro - ABC RAP no qual vimos nossas letras impressas pela primeira vez.

- Tivemos oportunidade de participar de oficinas de música, compasso, etc.. Foi criada uma sala no Biblioteca Manuel Bandeira, no Baeta, para discutir a questão indígena e o movimento negro.

- Nessa altura estávamos com 17 para 18 anos e a consciência racial aflorou. SAN se filia ao movimento negro unificado.



- Foi quando começamos a entender o jogo para poder jogar e incorporamos o quinto elemento: o conhecimento. Fomos estudar mais.

- Em 1993 foi eleito um novo Prefeito, Walter Demarchi e desmantelou tudo. A agente cultural Neusa Borges, por uma decisão daquela administração, durante muito tempo ficou impedida de trabalhar com o pessoal ligado ao Hip Hop, pois, na época, havia muita incompreensão para com o movimento.

- Nesse mesmo ano, 1993, fundamos a Posse Hausa, organização que tinha na sua essência trabalhar a cultura Hip Hop com responsabilidade político-racial e que se reunia no espaço cedido pelo projeto Meninos e Meninas de Rua.



- Foi aí que precisamos estudar e cuidar da vida pessoal para poder contribuir de outra forma. Conhecer para agregar mais no coletivo.

- Fomos chamados para ministrar oficinas e nisso fomos pioneiros absolutos no Hip Hop. A secretaria de Saúde de SP nos chamou para ajudarmos nas campanhas da FEBEM com a linguagem do Rap. Acabamos por colaborar na elaboração de uma peça de teatro com o pessoal da FEBEM, onde além das letras, tinha o break e a dança.

- Com o dinheiro das oficinas, gravamos o nosso primeiro demo.  2003 finalmente a Posse Hausa é registrada como uma associação de entidade civil e o Blackalquimista  foi seu primeiro presidente.

- Na retomada, chegaram novos jovens para quem tentamos passar nosso código de ética. Mas os que vieram depois caíram nas muitas armadilhas (drogas, álcool) e isso, infelizmente, passou a ser consenso.



Fábio e Marcos Roberto cursaram universidades (Direito e Gestão de Qualidade, respectivamente). Fábio coordenou um grupo de Pré-Vestibular comunitário, do qual saíram centenas de alunos para entrar na universidade. Uma delas foi estudar medicina em Cuba.  







Ao final, BlackAlquimista disponibilizou para venda o mais recente CD do Grupo Alquimistas, CHUMBO, recebido com entusiasmo pelos presentes.

E a conversa entraria noite adentro ainda mais porque as histórias são muitas e muita a vontade de contá-las. As mais de 2h de depoimentos foram gravadas em vídeo e estão disponibilizadas aos interessados em pesquisa, mediante consulta marcada, na Livraria Alpharrabio.
As fotos são de Luzia Maninha.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Cultura Sem Carimbo VIII – registro da reunião de junho/ 2015

Neusa Borges




O ciclo Cultura Sem Carimbo, promovido pelo Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC, convidou o Grupo Cênico Regina Pacis, de São Bernardo do Campo,  para a sua reunião do mês de julho, ocasião em que vários dos seus integrantes fizeram relatos sobre a trajetória do grupo teatral mais antigo da Região, criado por Antonino Assumpção (Sunça, para os mais próximos), jornalista e amante dos esportes, falecido em 1995.

A fala inicial foi de Hilda Breda, atriz e diretora do Regina Pacis, que apresentou as atrizes Ana Medici, Fátima Lucas e Emeri Guglielmetti, cujos depoimentos viriam intercalados com pequenos trechos do repertório do grupo. Ela também citou os atores José Luiz, Cleide, Fernando, Luiz Henrique e Fabrício, misturados entre os convidados que foram prestigiar o encontro.



“O grupo Regina Pacis foi criado no dia 21 de abril de 1962, dentro da igreja matriz de São Bernardo do Campo, dela se desligando dois ou três anos depois. O nome foi inspirado num trecho de uma ladainha em louvor a Nossa Senhora, que, na última frase, tinha Regina Pacis, que vem do latim e que quer dizer rainha da paz”, disse Hilda.

A diretora comentou que as pessoas sempre perguntam: Quem é a Regina? Portanto, não se trata de nenhuma homenagem a uma mulher com tal nome, ou coisa parecida, mas de uma inspiração advinda das missas que eram rezadas em latim.

Começaram com pequenas esquetes e, algum tempo depois, partiram para textos mais elaborados.
Atualmente o grupo conta com uma média de 15 pessoas. Há quem está há mais de 40 anos, como é o caso de Hilda Breda e Ana Medici, que ingressaram em 1968.



“Fui levada pelas mãos do meu pai, que já fazia parte do grupo, atuando como ator. Fui acompanhar os ensaios. Ficava encantada com tudo aquilo. Meu pai no palco e eu na plateia, só assistindo. Eu, ainda uma menina. Um dia, meu pai disse: Você vai fazer teatro também. No início, fiz figuração, não tinha fala. Lembro-me de uma encenação em que eu fazia um discípulo de Cristo: colocava barba, aquelas roupas todas, entrava em cena, não falava nada. Mas achava o máximo!”, disse Ana Medici.

Alcides Médici, o pai da menina Ana Medici, viria a orgulhar-se de sua filha que, alguns anos depois, pela sua atuação como melhor atriz coadjuvante na peça O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, foi contemplada com o Prêmio Governador do Estado. Mas, o orgulho foi recíproco, pois papai Alcides também foi premiado como melhor ator do referido espetáculo.

Por ter surgido numa época em que a sociedade ainda era bastante repressora para com as mulheres, sempre são indagados se as atrizes do grupo sofreram discriminação. Hilda Breda garante que não, pois, segundo ela, talvez tenha a ver com o fato de que tudo girava em torno de um ambiente familiar e também da igreja.

Um dia, a bailarina decidiu que também queria fazer teatro. Fez um curso com Antonino Assumpção, foi convidada a substituir uma atriz que estava de férias e nunca mais saiu do Regina Pacis.
“Hoje não somente atuo como atriz, mas como coreógrafa, toda vez que a montagem exige”, disse Emeri Guglielmetti, que, anos depois, levaria seus dois sobrinhos- netos para o grupo.



Quando indagada sobre em que ano ingressou no Regina Pacis, Fátima Lucas responde: “Nós entramos em 1983. Sim, nós, pois foi meu marido, eu e minhas filhas. Eu levava mamadeira nos ensaios. E entramos atendendo ao convite do Antonino Assumpção, após a nossa participação em um curso de teatro que ele ministrou na Basf”.




Em seguida, Fátima Lucas interpreta um trecho de um depoimento de Clarice Lispector, da peça Ah, Mulheres!  Aplausos!!!



A Cleide ingressou no grupo em 1977, fazendo figuração. A sua peça de estreia foi Castro Alves Pede Passagem. Após um ano, o seu futuro marido, José Luiz do Prado, também passou a integrar a trupe. Tempos depois, era chegada a vez da filhinha do casal, aos três anos de idade.

“Comecei em 1978, um ano depois que a Cleide. Eu tive um pouquinho mais de sorte, pois não precisei fazer figuração (risos), pois o rapaz que fazia o espetáculo infantil Viagem ao Faz de Conta, na época fazia o serviço militar e, por algum motivo, precisou deixar a peça. Era o papel principal e eu tive uma semana para decorar o texto. Não tinha nenhuma experiência com teatro. Foi muito bacana a minha estreia: fiz a primeira fala e esqueci o resto (risos). Terminado o espetáculo, falei: nunca mais eu volto para esse negócio. Ensaiei direitinho e, quinze dias depois, voltamos e deu tudo certo. Fui melhorando, conheci a Cleide e acabei casando com ela. E estou no grupo até hoje”, disse José Luiz.



“Foi 1978, mas passei a participar mais efetivamente depois que me casei com a Ana (risos). Minha parte é mais de logística”, disse Fernando, o marido da Ana Medici.

Fernando lembrou que Antonino Assumpção era de Santo André, assim como sua família.



Ana Médici ressaltou que, ao chegar a São Bernardo, Assumpção levou informações importantes não somente na área cultural, mas também na dos esportes, o que contribuiu enormemente para uma grande parcela da população que, na época, não possuía as facilidades dos dias de hoje no que diz respeito ao acesso à informação.

“Eu comecei no ano passado, fazendo Natal No Bosque. A tia da minha mãe quem me trouxe. Comecei fazendo o galo. No começo foi um pouco difícil, mas aprendi muita coisa. Mudou o meu jeito de falar, porque eu era muito tímido, não conseguia nem falar direito. Melhorou muita coisa, gostei muito. Pretendo continuar”, disse o adolescente Luiz Henrique, sobrinho - neto da bailarina/atriz Emeri Guglielmetti.



O Fabrício, irmão do Luiz Henrique, que também atuou na peça, não quis nem saber de conversa, quando a diretora Hilda Breda pediu para que ele também falasse sobre a sua personagem. Minutos depois, eis que o ator de quatro anos de idade tagarelava num grupo de pessoas encantadas com sua desenvoltura e fofurice. Ah, a diretora Hilda Breda nos informou que Fabrício fez o papel do anjo.



“Período muito difícil aquele da ditadura. Muitos grupos desistiram de atuar. Os textos tinham de passar pela censura. Naquela época, não tinha copiadora, fazíamos as cópias em mimeógrafo. Uma cópia ia pra Brasília, outra para a censura federal, que era na Polícia Federal, na Xavier de Toledo, em São Paulo. A gente ia lá pra buscar o texto e saber a respeito. Então eles falavam que, ou a peça poderia ter sido proibida, ou então tinha cortes. Eles cortavam páginas inteiras, ou, então, que tinha sido liberado o texto e nós tínhamos que marcar para os censores irem assistir ao espetáculo. Então eles escolhiam o dia e naquele dia a gente tinha que estar disponível. Naquele dia e horário, buscá-los para levar a São Bernardo para eles assistirem ao espetáculo, para ver se liberavam, ou não”, disse Hilda Breda.

O fato é que todos os integrantes do grupo trabalhavam (como ocorre até hoje) em outras atividades, ou seja, cada qual tinha o seu emprego; portanto, ninguém vivia do teatro e, por essa razão, era bastante complicada a logística para buscar censores, que também precisavam ser levados de volta, muitas vezes nas suas casas, pois, quase sempre, a sede onde atuavam já estava fechada, devido ao adiantado da hora. Folgados aqueles censores, hein!

“Era classificação etária, na verdade. Eles tinham que ver, chamavam de ensaio do visual do espetáculo. Só pelo texto era uma coisa, o que a gente encenava eles tinham que ver. Duas horas da tarde, todo mundo trabalhando: Gente! Nós temos que fazer o espetáculo para os censores!, disse Ana Medici.

A encenação para aquele pessoal da ditadura, porém, acontecia de forma diferente da que seria para o público. Hilda Breda relatou que o grupo sempre lançava mão de disfarces, com o intuito de garantir a liberação da peça. “Era difícil, mas a gente não deixou de dar voz à liberdade”, disse ela.



Num sábado de uma noite de 1968, no salão paroquial da igreja matriz de São Bernardo, haveria encenação da peça Liberdade, Liberdade (Millor Fernandes e Flávio Rangel), pois já estavam com o certificado de censura nas mãos. Mas, naquele mesmo dia, ficaram sabendo, através do jornal O Estado de São Paulo, que o texto estava proibido em todo território nacional. Sufoco!

 Uma ou duas horas antes do horário marcado para a apresentação da peça, integrantes do grupo rumaram para o salão paroquial, munidos com o recorte do jornal com o anúncio sobre a proibição da mesma. Em frente ao local, os homens da censura aguardavam no interior de uma Veraneio sem placa. Decisão dos atores: Não, não vamos fazer o espetáculo. Não vai dar.

Cada pessoa que chegava, ouvia as explicações sobre o porquê que a peça não seria encenada. O recorte do jornal era a prova de que a decisão não havia partido dos integrantes do grupo.
“As pessoas perguntavam: Não vai ter a semana que vem? A resposta era: Não, pois estava censurado”, disse Hilda Breda.

No ano de 1979, o grupo montou Liberdade, Liberdade, que, após mais de uma década censurada, finalmente fora liberada após a chegada da anistia. Então, numa noite daquele mesmo ano, a peça foi apresentada no teatro Cacilda Becker, em duas sessões, pois, ao constatar que havia uma enorme fila de pessoas contornando o Paço Municipal, o diretor Antonino Assumpção decidiu que haveria sessão dupla. Naquela noite, finalmente, todos os que estavam ávidos pela liberdade puderam assistir ao espetáculo que ficara censurado por mais de dez anos.

Pausa para Hilda Breda apresentar trecho do Navio Negreiro, da peça Liberdade, Liberdade. Aplausos!!!



Após a sua performance, Hilda Breda e Ana Medici continuaram relatando outros episódios que o grupo enfrentou nos tempos da repressão, porém Hilda pediu desculpas por, segundo ela, estar falando muito sobre aqueles fatos.

“Então, ainda falando da censura, nós tivemos pelo menos dois espetáculos proibidos. Os dois praticamente chegaram  na pré-estreia; a gente montou tudo e tal, e foram proibidos. Os dois foram dirigidos pelo grande diretor, que era Eugênio Kusnet”, disse Hilda.

Embora nem sempre ocorresse proibição, muitas vezes eram tantos os cortes que a peça ficava irreconhecível.

“Às vezes, eles liberavam assim: liberavam com cortes nas páginas tais, tais, tais e tais. Então, você pulava da 20 pra 32; da 32 pra 40. Aí ficava uma coisa que era um outro texto. E, à vezes, você não tinha como fazer o gancho, porque eles cortavam aleatoriamente”, disse Ana Medici.
O fato é que havia todo um processo, ensaios e mais ensaios e, às vésperas da estreia, eis que tudo ia pelos ares, disseram.
“Era muita pressão. Foi um período muito difícil”, disse Hilda Breda

Por ter sido, sem sombra de dúvida, um período nefasto da nossa história (assim como foi o da escravidão), relatar as atrocidades ocorridas é de extrema importância, sobretudo em tempos em que desavisados ocupam as ruas pedindo o retorno da ditadura militar. Portanto, os integrantes do Regina Pacis devem, sim, falar, falar e falar, para as mais diferentes plateias, pois, quem sabe, consigamos colocar na cabeça dos “abestalhados” que tudo o que não precisamos é da volta da praga que só fez violar direitos humanos. Credo!

Mas, o fato é que o grupo conseguiu resistir à ditadura militar, seguiu em frente e continua atuante, apesar das adversidades que enfrentam nos dias de hoje.

Após encenar um trecho de “Ulisses”, de James Joyce (aplausos!!!), Ana Medici disse: “Às vezes, a gente desanima, porque não é fácil, mas a gente ama o que faz e segue em frente.  Fazemos com cachê e sem cachê”.



Falaram sobre a dificuldade para conseguirem teatro em São Bernardo, por conta da atual política de ocupação dos mesmos.

A dificuldade de encontrar textos, seja de autores nacionais ou estrangeiros, também é fato. Mas, “tudo se resolve, pois a diretora Hilda Breda, que escreve muito bem, sempre dá um jeito”, disse Emeri Guglielmetti.

A última performance foi de Emeri, que encenou o poema “Todas as vidas”, de Cora Coralina. Aplausos!!!



Como contar mais de cinquenta anos de história de um grupo em duas horas? Foram mais de 100 espetáculos montados, com autores nacionais e estrangeiros; um acervo com cerca de 2.000 itens (que se encontra num espaço nas dependências de uma escola no Bairro Baeta Neves); participações em vários festivais, os quais lhes renderam vários prêmios; inúmeras apresentações em teatros, centros culturais, escolas de periferia etc.



Nos dias de hoje, em que muitos jovens procuram cursos de teatro apenas como trampolim para virarem atores globais, onde poderão fazer fama, prestígio e rica conta bancária, os atores e atrizes do Regina Pacis, ao contrário, continuam subindo ao palco simplesmente porque amam atuar. E atuam com paixão, dedicação e brilho nos olhos, o mesmo brilho que enxergávamos no olhar do inesquecível ator Sergio Rosseti, quando o ouvíamos falar sobre o grupo, nas inúmeras vezes em que nos encontramos durante as suas habituais caminhadas pelas ruas do centro da São Bernardo que tanto amava e por ela era correspondido.                               

Do lugar que deve ter sido reservado para o povo das artes, o velho Antonino Assumpção deve estar exclamando: Pôxa! E não é que tudo valeu a pena!

Sunça, e vai continuar valendo, viu!?

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Cultura sem Carimbo VI - registro da reunião de abril 2015




A reunião de abril do Fórum Permanente de Debates Culturais retomou o Ciclo Cultura Sem Carimbo, organizado de forma a ouvir, debater e divulgar coletivos, iniciativas e acontecimentos culturais que estão ocorrendo na região, de forma autônoma, sem vínculos ou patrocínios oficiais. Nos cinco encontros anteriores foram ouvidos (e gravados) depoimentos de integrantes dos coletivos Batalha da Matrix - Parada Musical, de SBC,  Cia. do Nó (Santo André); Centro Recreativo e Cultural Alameda Glória (São Bernardo do Campo);  Grupo Folclórico Congada do Parque São Bernardo (São Bernardo do Campo); Ocupação Cuiabá - Portões que falam;  Sarau na Quebrada, Santo André; Sarau Lapada Poética, do Coletivo Tantas Letras, São Bernardo do Campo; e Sarau da Santa, Santo André.




Neste VI encontro, a prof. Raquel Quintino, cientista social, mestre em comunicação, e ativista social veio nos falar sobre a experiência de mobilização junto à Rádio Comunitária Z FM do Jardim Zaíra, em Mauá e do Movimento para Moradia na área do Chafik, assunto que, inclusive, foi objeto de sua dissertação de Mestrado em Comunicação Social pela UMESP.

Do belo e apaixonado depoimento da nossa convidada, extraímos estas notas:
"Nasci no Zaíra, cresci e estou sempre por lá. "Viver em Mauá" é um adjetivo, é um lamento e até motivo de chacota, mas é possível mudar o olhar para identificar muitas belezas.

Estive por algum tempo afastada de Mauá, mas quando voltei, munida de outros diferenciais, após ter passado pelo Ministério das Ciências e Tecnologia, Instituto Paulo Freire e outras experiências, vi a possibilidade de construção de algo. Os lugares periféricos quase nunca são vistos como o lugar do bem viver, da sociabilidade e do crescimento. As cercas, muros e catracas barram o acesso ao que a humanidade produz de melhor. É possível reinventar? É!




Um verso de Fernando Pessoa ("é da minha aldeia que eu posso ver o mundo"), que, inclusive,  virou epígrafe de abertura da minha dissertação, vai no sentido inverso do sentimento de quem mora em Mauá, mas leva a acreditar que é possível fazer de nossos lugares, o que a gente quiser, inclusive interferir na realidade, como interferimos.

O Jardim Zaíra apresenta a maior ocorrência de mortes em área de risco da cidade, território de ocupação irregular que teve início em meados da década de 1970.

Em 2011 ocorreu um trágico deslizamento do Morro do Macuco que acabou por detonar um  movimento pela Rádio Z FM que tinha como objetivo inicial alertar a comunidade em relação à gravidade provocada pela intensificação das mudanças climáticas e dos riscos na época das chuvas e que, em colaboração com a Associação para o Desenvolvimento Habitacional do Brasil criada em 2006 , cujo foco é a regularização fundiária daquela região, muito contribuiu para estimular a participação e organização local pelo direito à moradia. A principal ação foi a produção de 20 programas radiofônicos, transmitidos nas manhãs de sábado, nos quais colaborei, produzidos por cerca de 20 integrantes da ADEHAB, com o apoio dos colaboradores da Radio Z FM que exerceu um papel fundamental para provocar a tomada de consciência da urgência em relação às questões da moradia da área.




Assim, os movimentos populares se apropriaram daquele espaço de comunicação o que me motivou, além da participação, também realizar análise desse processo de comunicação comunitária. 
Os meios de comunicação, que deveriam fortalecer os diversos grupos humanos, atuam como um grande negócio controlado por um pequeno grupo que atendem aos interesses da elite brasileira. As rádios comunitárias têm um forte potencial de democratizar uma parcela dos meios de comunicação e por isso são muito perseguidas.




A Rádio Z FM, primeira rádio comunitária da cidade a receber a autorização para operar legalmente, tem como seu principal articulador Valmir Maia, que atuou intensamente em vários movimentos da cidade. Permanece atuante até hoje e é reconhecida como o principal veículo de comunicação do município e presta, ao longo destes anos, relevantes serviços à comunidade.

Mauá está no ABC e o ABC é um lugar de luta. É possível, sim, fazer com que as coisas aconteçam em Mauá, desde que possamos nos mobilizar e foi isso que fizemos."




O relato foi longo e apaixonante. Não há como não se contaminar com tamanha convicção às causas a que se dedica a Prof. Raquel (o ensino, a pesquisa e a militância social) a Prof. Raquel, quer junto à FAMA - Faculdade de Mauá, quer junto à Rádio Z FM e outras tantas frentes de atuação).

Saí, saímos do encontro menos céticos e menos desanimados. Ainda vale a pena acreditar em transformações pela organização e mobilização popular. (dtv)