CULTURA SEM CARIMBO IX – Hip Hop – um retrato falado
Na reunião mensal do mês de outubro, o Fórum Permanente de
Debates Culturais do Grande ABC promoveu a nova edição do Ciclo Cultura Sem
Carimbo que já ouviu depoimentos de quase duas dezenas de representantes de
coletivos e produtores independentes individuais do grande ABC.
Desta feita, convidou dois pioneiros da Cultura Hip Hop em
São Bernardo do Campo, Fábio Santana Santos e Marcos Roberto da Silva, que
narraram suas experiências de arte e vida, desde o surgimento daquela
manifestação cultural até os dias de hoje. A conversa foi mediada por Neusa
Borges, que bem acompanhou de perto toda essa trajetória:
Fábio Santana Santos, conhecido pelo nome artístico de SAN
AJAMU OADQ, um dos precursores da Cultura Hip Hop em São Bernardo, em 1988,
iniciou sua fala referindo-se à época de estudante, no Jardim Farina, onde
estudou com Marcos Roberto, conhecimento pelo nome artístico de BLACK
ALQUIMISTA, quando começaram a
frequentar os bailes black, organizados por Mr. G.,
verdadeiros locais de encontro. Saíamos atrás da compra, com muito sacrifício,
de LPs de Hip Hop americano, com vocal e instrumental e em cima do
instrumental, colocávamos as nossas letras. Nós fazíamos a cena e éramos nosso
próprio público.
Daí em diante, ambos, Fábio e Marcos, unidos pela força da
longa camaradagem e trajetória comum, passaram, em dueto, aos depoimentos, dos
quais, passamos a selecionais alguns fragmentos
- Falamos aqui da Cultura Hip Hop e seus 4 elementos: Dança,
DJ, MC e Grafite.
-No início, nós só queríamos cantar, mas com o tempo o Rap
foi se politizando e passando a contar suas próprias histórias.
- Íamos pra a Capital, aprender com o pessoal de lá e havia
de tudo, Concurso de Rap através do Clube do Rap que promovia encontros num
determinado Bairro de São Paulo. No Metrô São Bento, apresentávamos dança,
depois na Praça Roosevelt. Por questões financeiras com o deslocamento, passamos
a buscar espaços no ABC. Primeiro no terminal Ferrazópolis. Foi quando surgiu a
oportunidade de um espaço no Sacolão da Av. Peri Ronquete, onde havia uma
quadra de futebol. Lá, nos sábados à tarde, nos apresentávamos. Levávamos um
gravador a pilha, mas isso se mostrou inviável pelo custo das pilhas. Foi
quando passamos a utilizar energia roubada, sem ter consciência do que isso
significava. Tínhamos por volta de 14 anos. Dali, passamos para a pista de
Skate no Paço Municipal. Paralelamente, aconteciam os bailes, os festivais de Rap,
o rádio. As equipes de Hip Hop tinham horário na Rádio Bandeirantes. O rádio foi o grande
difusor dessa cultura. A MTV também transmitia RAP de madrugada.
-Em 1990 fomos ao Departamento de Cultura de São Bernardo do
Campo, atrás de uma tomada para o nosso equipamento e isso foi a nossa
salvação. O Secretário, à época era o Luiz Roberto Alves. e a equipe nos
mostrou que o que fazíamos era arte e que isso precisava ser apoiado. Nós não
sabíamos. A Secretaria de Cultura promoveu um projeto Piloto nos bairros com
apresentações e encontros. Fomos os primeiros a fazer contato com o Poder
público.
- Antes, pagávamos para cantar nos bailes (a entrada dava
direito à apresentação), depois disso, a partir de 1990, passamos a ter apoio
público em espaço cedido pela Prefeitura. Aí começa o movimento de rua que chegou
a reunir 30 grupos. A Secretaria de Cultura de SBC organiza o 1º livro de Hip Hop
Brasileiro - ABC RAP no qual vimos nossas letras impressas pela primeira vez.
- Tivemos oportunidade de participar de oficinas de música, compasso,
etc.. Foi criada uma sala no Biblioteca Manuel Bandeira, no Baeta, para
discutir a questão indígena e o movimento negro.
- Nessa altura estávamos com 17 para 18 anos e a consciência
racial aflorou. SAN se filia ao movimento negro unificado.
- Foi quando começamos a entender o jogo para poder jogar e
incorporamos o quinto elemento: o conhecimento. Fomos estudar mais.
- Em 1993 foi eleito um novo Prefeito, Walter Demarchi e
desmantelou tudo. A agente cultural Neusa Borges, por uma decisão daquela
administração, durante muito tempo ficou impedida de trabalhar com o pessoal
ligado ao Hip Hop, pois, na época, havia muita incompreensão para com o
movimento.
- Nesse mesmo ano, 1993, fundamos a Posse Hausa, organização
que tinha na sua essência trabalhar a cultura Hip Hop com responsabilidade
político-racial e que se reunia no espaço cedido pelo projeto Meninos e Meninas
de Rua.
- Foi aí que precisamos estudar e cuidar da vida pessoal
para poder contribuir de outra forma. Conhecer para agregar mais no coletivo.
- Fomos chamados para ministrar oficinas e nisso fomos
pioneiros absolutos no Hip Hop. A secretaria de Saúde de SP nos chamou para
ajudarmos nas campanhas da FEBEM com a linguagem do Rap. Acabamos por colaborar
na elaboração de uma peça de teatro com o pessoal da FEBEM, onde além das
letras, tinha o break e a dança.
- Com o dinheiro das oficinas, gravamos o nosso primeiro
demo. 2003 finalmente a Posse Hausa é
registrada como uma associação de entidade civil e o Blackalquimista foi seu primeiro presidente.
- Na retomada, chegaram novos jovens para quem tentamos
passar nosso código de ética. Mas os que vieram depois caíram nas muitas
armadilhas (drogas, álcool) e isso, infelizmente, passou a ser consenso.
Fábio e Marcos Roberto cursaram universidades (Direito e Gestão
de Qualidade, respectivamente). Fábio coordenou um grupo de Pré-Vestibular
comunitário, do qual saíram centenas de alunos para entrar na universidade. Uma
delas foi estudar medicina em Cuba.
Ao final, BlackAlquimista disponibilizou para venda o mais
recente CD do Grupo Alquimistas, CHUMBO, recebido com entusiasmo pelos
presentes.
E a conversa entraria noite adentro ainda mais porque as
histórias são muitas e muita a vontade de contá-las. As mais de 2h de
depoimentos foram gravadas em vídeo e estão disponibilizadas aos interessados
em pesquisa, mediante consulta marcada, na Livraria Alpharrabio.
As fotos são de Luzia Maninha.
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