quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Hip Hop – um retrato falado

CULTURA SEM CARIMBO IX – Hip Hop – um retrato falado



Na reunião mensal do mês de outubro, o Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC promoveu a nova edição do Ciclo Cultura Sem Carimbo que já ouviu depoimentos de quase duas dezenas de representantes de coletivos e produtores independentes individuais do grande ABC.

Desta feita, convidou dois pioneiros da Cultura Hip Hop em São Bernardo do Campo, Fábio Santana Santos e Marcos Roberto da Silva, que narraram suas experiências de arte e vida, desde o surgimento daquela manifestação cultural até os dias de hoje. A conversa foi mediada por Neusa Borges, que bem acompanhou de perto toda essa trajetória:



Fábio Santana Santos, conhecido pelo nome artístico de SAN AJAMU OADQ, um dos precursores da Cultura Hip Hop em São Bernardo, em 1988, iniciou sua fala referindo-se à época de estudante, no Jardim Farina, onde estudou com Marcos Roberto, conhecimento pelo nome artístico de BLACK ALQUIMISTA,  quando começaram a frequentar os bailes black, organizados por Mr. G., verdadeiros locais de encontro. Saíamos atrás da compra, com muito sacrifício, de LPs de Hip Hop americano, com vocal e instrumental e em cima do instrumental, colocávamos as nossas letras. Nós fazíamos a cena e éramos nosso próprio público.

Daí em diante, ambos, Fábio e Marcos, unidos pela força da longa camaradagem e trajetória comum, passaram, em dueto, aos depoimentos, dos quais, passamos a selecionais alguns fragmentos
- Falamos aqui da Cultura Hip Hop e seus 4 elementos: Dança, DJ, MC e Grafite.
-No início, nós só queríamos cantar, mas com o tempo o Rap foi se politizando e passando a contar suas próprias histórias.



- Íamos pra a Capital, aprender com o pessoal de lá e havia de tudo, Concurso de Rap através do Clube do Rap que promovia encontros num determinado Bairro de São Paulo. No Metrô São Bento, apresentávamos dança, depois na Praça Roosevelt. Por questões financeiras com o deslocamento, passamos a buscar espaços no ABC. Primeiro no terminal Ferrazópolis. Foi quando surgiu a oportunidade de um espaço no Sacolão da Av. Peri Ronquete, onde havia uma quadra de futebol. Lá, nos sábados à tarde, nos apresentávamos. Levávamos um gravador a pilha, mas isso se mostrou inviável pelo custo das pilhas. Foi quando passamos a utilizar energia roubada, sem ter consciência do que isso significava. Tínhamos por volta de 14 anos. Dali, passamos para a pista de Skate no Paço Municipal. Paralelamente, aconteciam os bailes, os festivais de Rap, o rádio. As equipes de Hip Hop tinham horário na  Rádio Bandeirantes. O rádio foi o grande difusor dessa cultura. A MTV também transmitia RAP de madrugada.

-Em 1990 fomos ao Departamento de Cultura de São Bernardo do Campo, atrás de uma tomada para o nosso equipamento e isso foi a nossa salvação. O Secretário, à época era o Luiz Roberto Alves. e a equipe nos mostrou que o que fazíamos era arte e que isso precisava ser apoiado. Nós não sabíamos. A Secretaria de Cultura promoveu um projeto Piloto nos bairros com apresentações e encontros. Fomos os primeiros a fazer contato com o Poder público.



- Antes, pagávamos para cantar nos bailes (a entrada dava direito à apresentação), depois disso, a partir de 1990, passamos a ter apoio público em espaço cedido pela Prefeitura. Aí começa o movimento de rua que chegou a reunir 30 grupos. A Secretaria de Cultura de SBC organiza o 1º livro de Hip Hop Brasileiro - ABC RAP no qual vimos nossas letras impressas pela primeira vez.

- Tivemos oportunidade de participar de oficinas de música, compasso, etc.. Foi criada uma sala no Biblioteca Manuel Bandeira, no Baeta, para discutir a questão indígena e o movimento negro.

- Nessa altura estávamos com 17 para 18 anos e a consciência racial aflorou. SAN se filia ao movimento negro unificado.



- Foi quando começamos a entender o jogo para poder jogar e incorporamos o quinto elemento: o conhecimento. Fomos estudar mais.

- Em 1993 foi eleito um novo Prefeito, Walter Demarchi e desmantelou tudo. A agente cultural Neusa Borges, por uma decisão daquela administração, durante muito tempo ficou impedida de trabalhar com o pessoal ligado ao Hip Hop, pois, na época, havia muita incompreensão para com o movimento.

- Nesse mesmo ano, 1993, fundamos a Posse Hausa, organização que tinha na sua essência trabalhar a cultura Hip Hop com responsabilidade político-racial e que se reunia no espaço cedido pelo projeto Meninos e Meninas de Rua.



- Foi aí que precisamos estudar e cuidar da vida pessoal para poder contribuir de outra forma. Conhecer para agregar mais no coletivo.

- Fomos chamados para ministrar oficinas e nisso fomos pioneiros absolutos no Hip Hop. A secretaria de Saúde de SP nos chamou para ajudarmos nas campanhas da FEBEM com a linguagem do Rap. Acabamos por colaborar na elaboração de uma peça de teatro com o pessoal da FEBEM, onde além das letras, tinha o break e a dança.

- Com o dinheiro das oficinas, gravamos o nosso primeiro demo.  2003 finalmente a Posse Hausa é registrada como uma associação de entidade civil e o Blackalquimista  foi seu primeiro presidente.

- Na retomada, chegaram novos jovens para quem tentamos passar nosso código de ética. Mas os que vieram depois caíram nas muitas armadilhas (drogas, álcool) e isso, infelizmente, passou a ser consenso.



Fábio e Marcos Roberto cursaram universidades (Direito e Gestão de Qualidade, respectivamente). Fábio coordenou um grupo de Pré-Vestibular comunitário, do qual saíram centenas de alunos para entrar na universidade. Uma delas foi estudar medicina em Cuba.  







Ao final, BlackAlquimista disponibilizou para venda o mais recente CD do Grupo Alquimistas, CHUMBO, recebido com entusiasmo pelos presentes.

E a conversa entraria noite adentro ainda mais porque as histórias são muitas e muita a vontade de contá-las. As mais de 2h de depoimentos foram gravadas em vídeo e estão disponibilizadas aos interessados em pesquisa, mediante consulta marcada, na Livraria Alpharrabio.
As fotos são de Luzia Maninha.

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