quarta-feira, 7 de março de 2012

Cinema Para Todos

             Neusa Borges

     Alguns disseram que não haveria público. Afinal, os moradores do lugarejo não têm o hábito de ir ao cinema, mesmo porque não há um único sequer naquelas bandas. Sem contar que o filme em questão não tem nenhum artista famoso no elenco.
     Mas o espaço do ginásio esportivo de Cícero Dantas, uma pobre e pacata cidadezinha baiana com cerca de 80 mil habitantes, ficou apertado para as mais de 600 pessoas que foram assistir Cabra Bode, o mais recente filme do cineasta Milton Santos.



     No dia 17 de dezembro de 2011, ao lançar o documentário em cinema de São Bernardo, Milton anunciou que faria exibição do filme na cidade de Cícero Dantas, pois lá aconteceram as filmagens, com os atores da localidade e, portanto, ele entendia que seria importante retornar à comunidade e mostrar o resultado do trabalho.

     Após os festejos de ano novo, era chegada a hora de marcar a data da exibição: 14 de janeiro de 2012. Teve divulgação na rádio e no jornal da cidade. Também ajudou muito um grande banner doado por mestre Ditinho da Congada, o qual foi afixado na entrada do clube.




     A história de uma família pobre do sertão nordestino, que vê um dos seus membros transformar-se em um bode após comer os testículos do animal, atraiu tanta gente, que muitos não se incomodaram em assistir em pé, uma vez que não havia assentos suficientes para todos. Entre o público presente, estavam os 15 atores amadores (todos moradores da cidade), que atuaram no filme cuja trilha sonora é do músico Zé Campelo.

     Milton Santos retornou feliz a São Bernardo, consciente da grandeza da sua missão em propiciar momentos de pura magia e emoção àqueles que ainda vivem na exclusão social e cultural.


     O sociólogo José de Souza Martins, no seu livro “Uma Arqueologia da Memória Social”, relata: “Pobre, no Brasil, ainda é culturalmente desprezado e depreciado, como se não estivesse à altura de entender um poema de Brecht, uma tela de Portinari, um oratório de Bach, um romance de Machado de Assis”.
     O sociólogo tem toda razão. E, pelo exemplo da experiência em Cícero Dantas, não há dúvida de que os pobres não somente desejam ir ao cinema, como também querem ver a sua cara retratada na tela mágica.

     Milton Santos sabe disso há muito tempo. Ainda bem.


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