Marcelo Dino Fraccaro
A importância da inter-relação entre
Cultura e Direitos Humanos está devidamente explicitada nos principais
documentos internacionais existentes. Desde a Carta das Nações Unidas composta
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, passando pelos Pactos
Internacionais dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e dos Direitos Econômicos
Sociais e Culturais (PIDESC), e culminando com as diversas declarações e
instrumentos internacionais subsequentes, a questão, abrangente e complexa, visa
garantir o efetivo respeito, proteção e promoção desses direitos nos mais
amplos aspectos.
Também na Constituição Federal de 1988,
efetivamente em seu artigo 215 – “O
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais...” - o Brasil, signatário de todos os acordos
e instrumentos internacionais já citados, busca garantir os direitos culturais.
Todavia, embora representados e
enfatizados em tais instrumentos formais, é reconhecida a dificuldade em se
garantir em âmbito nacional o necessário respeito e garantia desses direitos de
forma universalizada à população.
Embora há a consciência de que direitos
representados em instrumentos formais não são efetivamente respeitados no
Brasil – somos um dos países onde mais se verifica o assassínio de defensores
dos Direitos Humanos em todo o planeta – é notória a contradição entre garantia
formal de direitos no país e o efetivo respeito, proteção e promoção desses
mesmos direitos. A desigualdade gritante de acesso às liberdades democráticas
corrobora esta contradição, como o acesso desigual à justiça, por exemplo, por
parte dos diferentes estratos da população, assim como de serviços básicos como
saúde, saneamento entre outros verificados como carências para a maior parte
dos habitantes.
Na vida cultural do país a contradição
se repete, e em certos aspectos, aqui para o que nos interessa mais diretamente,
se acentua. Nossa tradição nesse campo nos demonstra como a cultura é tratada
de forma marginal não apenas por agentes públicos como também, e principalmente
por amplos setores de nossa sociedade. A cultura é sempre vista como algo
assessório, desimportante, secundário. Pior que isso é instrumentalizada e
distorcida na busca por resultados mercadológicos da indústria cultural e seus
mecanismos, tudo transformando em entretenimento e lazer desprovido de sentido.
Na escalada conservadora verificada no
momento social e político que vivemos a Cultura e os Direitos Humanos passam a
sofrer ataque ainda mais frontal. A desconstrução dos avanços mínimos obtidos
no campo dos direitos civis e políticos, assim como os econômicos, sociais e
culturais ganha cada vez mais entre nós, promovida amplamente por setores
institucionais e com apoio da iniciativa privada e os meios de comunicação
concentrados nas mãos de poucas empresas deste segmento. É a indústria cultural
elevada à potência tal que até aqui não havíamos experimentado.
O avanço das forças conservadoras nesta
segunda década do século XXI, sabemos, não é privilégio nosso, pelo contrário
ganha contornos mais ou menos traumáticos em todo o mundo. O atual ordenamento político,
ideológico, econômico planetário contribui sobremaneira para as evidências que
aqui esboçamos. Porém, numa sociedade como a nossa que não atingiu minimamente
o status de Estado Democrático e de Direito, ou na melhor das hipóteses
alcançou por breve período um lampejo do que poderia vir a se constituir como
tal, as desigualdades assumem características ainda mais trágicas.
Por outro lado, alimentadas pelo ódio de
classe promovido pelos mesmos setores conservadores de sempre, nossas
diferenças culturais, sociais, raciais, religiosas - diversidade que
potencialmente se apresenta como nossa maior riqueza como povo - passam a
sofrer ferozmente a ação de uma sociedade cada dia mais intolerante e
despótica. A desconstrução em curso, mais que ação de hostes intolerantes e
desconexas é parte de projeto mais amplo de enfraquecimento de nossa identidade
como nação e de nossas possibilidades nos campos interno e externo. Em qualquer
situação, histórica, econômica, geopolítica, a dominação de um povo via sua
desconstrução e colonização cultural é a mais nociva forma de dominação.
A parte toda a tragédia de nossa
história com a colonização e a escravidão, nossa trajetória como país jamais
enfrentou desafios mais exigentes. Nos encontramos diante de verdadeira
encruzilhada no longo processo de nossa formação, onde escolher um caminho a
seguir não se dará de forma que não seja de algum modo traumática. Porém, nada
poderá ser mais traumático do que a escolha de não seguir nenhum caminho. Lutar
por nossos direitos e por nossa identidade cultural, independente da aceitação
de institucionalidades e instrumentos formais é certamente a escolha de um
caminho a seguir.
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