Abaixo,
a íntegra do pronunciamento de Dalila Teles Veras na mesa “QUALIDADE DOS
SERVIÇOS PÚBLICOS – Saúde, Cultura, Educação, Esportes na vida das pessoas”, durante
o XIV SEPPI - SEMINÁRIO DE POLÍTICAS INTEGRADAS, organizado pelas Universidades
USCS, UMESP e UFABC. O evento aconteceu no Campus Centro da Universidade
Municipal de São Caetano do Sul, no último dia 08.06.2016.
A
proposta do Debate foi a de que cada um dos integrantes da mesa fizesse um
breve diagnóstico da sua respectiva área de atuação, na região do ABC, e perspectivas
e desafios. Representantes das áreas de Cultura, Saúde, Educação e Esportes: Dalila Teles Veras, escritora, ativista
cultural e coordenadora do Fórum Permanente de Debates Culturais; Profª
Dra.Vânia Barbosa do Nascimento, Chefe do Departamento de
Saúde Coletividade – Faculdade de Medicina do ABC); - Profª Ms.
Diana Maria de Moraes, Coordenadora do GT Educação do Consórcio Intermunicipal do
ABC; - Esportes Prof. Walter Figueira Jr.. Assessor da Secretaria de Esportes
do Município de SCS, bem como o e dr. César
Schneider – Chefe da Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de
São Paulo
Boa
noite a todos. Meu agradecimento aos organizadores pelo honroso convite.
Iniciaria
dizendo que, em face do confuso panorama da atual conjuntura política
brasileira e do evidente desmonte das políticas públicas federais da cultura
que, diga-se, ainda que falhas, a duras penas foram conquistadas, fica difícil
evitar o desalento diante deste tema.
Mas
quando não foi assim? Pergunto eu. Estamos acostumados, desde sempre,
à frustrante constatação de subirmos dois degraus para, logo a
seguir, após a dança das cadeiras, despencarmos cinco. O desmanche e a reconstrução
e a eterna descontinuidade. É como se estivéssemos praticando um alpinismo
constante num terreno improvável no qual jamais se alcança o topo, pura tarefa
de Sísifo.
Não
tem sido diferente nas esferas municipais locais. A própria ideia de cultura,
via de regra, é simplória, passadista e distante do debate qualificado que há
anos a comunidade cultural acumulou e muito tem tentado levar para o debate
oficial, sem êxito. Para a esmagadora maioria dos gestores públicos, a gestão
da cultura ainda é pautada por eventos, política de balcão, agenda e demandas
políticas. Os produtores culturais e as questões da cultura são
encarados, na maioria dos casos, como ornamentos cooptáveis.
A
própria ideia de regionalidade não está posta, como nunca esteve, nos discursos
da maioria de nossas lideranças políticas, muito menos nas práticas. Por
receio, acredito, de dividir com o vizinho, o que se constata por aqui é a
costumeira recusa das gestões públicas locais em promover ações regionais
integradas e continuadas. Entre os gregos antigos, como se sabe, bárbaros eram
os que não falavam sua língua. Entre nós, todo aquele que está fora da restrita
esfera do poder municipal é considerado “estrangeiro”. Aprenderiam
muito ao observar e aprender com a cultura do outro, o comprometimento com a
diversidade. Desta forma, como integrar cidades que falam sete diferentes
“línguas” e se isolam dentro das respectivas fronteiras, ainda que ao longo de
pelo menos as últimas duas décadas tenha havido esforços nesse sentido em momentos
diversos, mas desgraçadamente descontínuos.
A
justificativa costumeira é sempre a mesma, ou seja, a falta de recursos, quando
na verdade é falta de políticas públicas que um plano regional de cultura
construído a partir do debate amplo e da participação popular, e de linhas
claras e objetivas, certamente daria conta.
Como
o nosso tempo aqui é curto, farei uma síntese, lembrando algumas das mais
significativas proposituras que ao longo das últimas duas décadas foram
encaminhadas às Administrações públicas municipais ou instituições regionais,
como Consórcio Intermunicipal. Momentos marcantes, nos quais um inestimável
conteúdo de demandas, resultantes de massa crítica acumulada e discussões
qualificadas, encontros, estudos, trocas e busca de referencial, contribuições
que, via de regra, ficaram em alguma pasta de uma gaveta qualquer, da qual foi
perdida a chave. Fica a sensação, ao menos para aqueles que, como
eu, dedicaram incontáveis horas e dias de seu tempo em contribuir para o bem comum,
de que todo esse esforço foi atirado à correnteza do Rio Letes que passa ao
largo do Tamanduateí. Houve, e é importante que se diga, também marcantes
momentos em que a vontade política da gestão pública contribuiu com
esse pensar e com essa tentativa de construção. O problema é a descontinuidade,
a fragmentação e o consequente esquecimento.
-
Anos 90 - Data desse período, o Fórum da Cidadania, o Grupo Independente de
Pesquisadores da Memória – GIPEM. A criação da Câmara Regional, o Consórcio
Intermunicipal, as duas gestões progressistas de Celso Daniel o primeiro
político a pensar a regionalidade, o Projeto Cidade Futuro, a mobilização e
participação popular os Congressos de História que são realizados até hoje.
Esforços para implantação dos Conselhos Municipais de Cultura também datam
desses anos.
-
Anos 2000 - Estimulado pelas intensas discussões e insatisfação da comunidade
cultural, um grupo de pessoas funda, em novembro de 2007, o Fórum Permanente de
Debates Culturais do Grande ABC. Ao longo dos 13 anos de ininterrupta atuação,
o Fórum vem exercendo a cobrança de políticas públicas que possam dar respostas
à altura das velozes mudanças locais e globais que requerem diálogos ao nível
da sua complexidade. Em 2008, o Fórum é procurado pelo Consórcio Intermunicipal
e convidado a participar do Seminário para o Plano Estratégico Regional
2000-2010, ocasião em que levou importantes contribuições àquela instituição,
como rever e sugerir acréscimos de novos programas e subprogramas dos eixos
estruturantes do Planejamento, projetando a cultura como central no cenário
futuro do desenvolvimento regional, incluindo-se aí, o reconhecimento da
cultura no processo educativo, como um valor inalienável da formação humana.
Nessa
ocasião, a reivindicação de se criar um Núcleo Estratégico de Cultura no
Consórcio foi prontamente atendida, sendo que, instalado a seguir, o GT nesse
primeiro momento, foi coordenado por um representante da sociedade civil.
Importante sublinhar que isso se deu, não por força de lei, mas por um princípio
de reconhecimento, legitimidade e conveniência.
Nesse
período, 2008 e 2009, o Fórum encaminhou diversos projetos resultantes de
demandas recolhidas em seus constantes debates e trocas com outros coletivos,
como um inovador Censo Cultural regional; Sugestões de parcerias entre
Consórcio, Prefeituras, Universidades e movimentos populares emergentes da
sociedade regional organizada; O GT elaborou ainda, junto às 7 Secretarias de
Cultura ali representadas, um Mapa de equipamentos e ações públicas
de cultura; Projetou um programa de ações integradas na circulação regional de
produtos de várias expressões artísticas. Em 2009, o GT idealizou e realizou a
Conferência Livre de Cultura 7 Cidades.
Em
2010, com a mudança jurídica que transformou o Consórcio em órgão público e as
respectivas mudanças estatutárias, foi vetada a participação da sociedade
civil. A partir, daí os resultados dessa atuação, com exceção de uma
ou outra ação pontual, não se fizeram notar.
O
Fórum e outros atuantes coletivos da região seguiram promovendo, isoladamente
ou em conjunto, importantes ações, destacando-se a Conferência Livre de Cultura
em Santo André, reconhecida pelo MINC e I Encontro da Diversidade, ambos em
2013, este último, uma realização da UFABC e SESC Santo André, a
partir da iniciativa do Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC com
a decisiva colaboração do Movimento Cultura Viva Santo André. Do
Encontro participaram ativamente nada menos do que 12 Coletivos de 6 cidades da
região. Uma conquista da vontade coletiva, institucional e popular, resultado
de um longo processo que veio para re-ligar e com-partilhar ações e
pensares que de há muito ocorrem por aqui, potencializados através
das trocas e do conhecimento mútuo, com interessantes desdobramentos. Haveria muitos
mais, mas o tempo nos limita.
Após
este brevíssimo panorama, gostaria de apontar alguns Desafios que a meu ver se
nos apresentam:
Numa
região ainda periférica, mas de uma rica diversidade cultural a ser explorada,
como ademais é a sociedade brasileira, são muitos os desafios, tanto oficiais
quanto comunitários.
-
O primeiro deles, a grande tarefa, no meu modo de entender,
será manter viva a memória da discussão e ações acumuladas, a título
de bagagem para a partida de quaisquer novas iniciativas. Assim, não cairemos
na tentação de quem tenta nos convencer de que tudo é inovador, mas
desconsidera o processo arduamente trilhado e construído.
-
O segundo, é o de como fazer com que instâncias de governabilidade
regional como Consórcio Intermunicipal e Câmara Regional, busquem ações e
soluções para problemas comuns de forma integrada com a imprescindível
participação da sociedade civil, com voz, vez e voto, parceria constituída de
fato.
-
Envolver e compromissar as Universidades locais na discussão e participação
efetiva do processo e ação cultural externa, bem como discutir o seu papel
dentro e fora delas, nas dinâmicas da cultura.
-
Criar mecanismos para novas formas de se fazer política, novas formas de
participação, que requerem mudanças da própria cultura política.
-
Formação continuada de agentes e gestores de cultura e aqui, damos as boas
vindas à disciplina de Gestão de Cultura da UFABC.
-
Escuta permanente das experiências e demandas de gestões autônomas da cultura,
via de regra, criativas e de fato inovadoras, muitas delas amparadas numa nova
cultura digital que acabou por transformar, entre outras coisas, a cultura
política.
-
Criar Conselhos de Cultura que possuam força, representatividade e competência
política.
Finalmente,
diante das incertezas políticas deste momento, bem como na incerteza do futuro
do atual Ministério da Cultura, curiosamente “recriado” interinamente e,
consequentemente, da também incerta manutenção de importantes programas com o
Sistema Nacional de Cultura e Plano
Nacional de Cultura, deixo, propositadamente, de colocar como desafio a
implantação dos Planos Municipais de Cultura, imprescindíveis, mas
incompreensivelmente ainda não assimilados plenamente por muitos dos gestores
da cultura locais. Lembro que apenas duas de nossas cidades (SCS e Diadema) já
os concluíram, mas que, na prática, estão ignorados.
Gostaria
ainda de sublinhar que a comunidade cultural, que aprendeu a lidar com a
perspectiva de frustrações, segue criando, permanentemente discutindo e
estudando formas de sustentação das manifestações culturais fora do plano
institucional, sem, entretanto, deixar de atuar politicamente através de
pressão e cobranças das administrações públicas, no sentido de fazer com que o
Estado cumpra seu papel nas obrigações previstas em sua Carta Magna, fazendo
valer os preceitos constitucionais, incluindo-se aí o sagrado direito da
manifestação popular e de sua escuta atenta.
Muito
obrigada.
Ainda
que aqui não tenha sido dito, a poesia é uma das minhas principais expressões.
Assim, encerro, lendo um poema escrito num 08 de junho, como este, em 2013:
8.06.2013
Percorro
a cidade
(que
se quer show
que
se quer palco
que
se quer imagem
que
se quer espetáculo)
à
busca de sua jugular
(ausculto
a
cidade que não se quer
a
cidade que é)
a
cidade real.
Ao
final do debate, Dalila sugeriu aos presentes que aquele encontro fosse
transformado também num ato político, em razão do evidente e preocupante
desmonte das políticas públicas, programas e direitos sociais pelo atual
governo federal interino. A Universidade, disse, não pode se transformar em
“bunker” e ignorar o que está ocorrendo. O debate e o alerta permanente faz-se
necessário e imprescindível e o lugar do debate de ideias é, por sua própria
natureza, também a Universidade.
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