terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A Fábrica de Sal, o patrimônio cultural e a democracia*

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Há uma grande tensão entre cidadãos de Ribeirão Pires e o Prefeito Saulo Benevides em função da intenção do chefe do Executivo em doar a área pública onde se encontra a Fábrica de Sal, a Biblioteca Municipal e uma escola municipal e conceder incentivos fiscais para a iniciativa privada construir um shopping no local. Como depende de aprovação da Câmara Municipal para a desafetação da área, desde o início do mês a população tem exercido grande pressão sobre os vereadores, que já adiaram a pauta algumas vezes. Pairam ainda dúvidas se os legisladores vão aprovar ou rejeitar o PL 004/2016 mesmo após acalorada audiência pública, no dia 18 de fevereiro de 2016, em que diversos setores da sociedade marcaram fortemente sua posição contra o projeto e o shopping, entre eles a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Ribeirão Pires (ACIARP), o  Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural e Natural de Ribeirão (CMDPCN), o Conselho Municipal de Cultura além de representantes do próprio CONDEPHAAT entre outros.

Diversos são os argumentos a favor da preservação da Fábrica de Sal. Informações levantadas pelo CMDPCN indicam que a Fábrica, construída em 1898 é remanescente de um dos mais antigos edifícios fabris do Estado. Além disso, é contemporânea às estações ferroviárias de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, tombadas pelo CONDEPHAAT em 2012 e à vila de Paranapiacaba, tombada pelo IPHAN em 2008, e futura candidata a patrimônio mundial pela UNESCO. Além disso, a área foi desapropriada no início dos anos 2000 para formar uma praça com o Centro Cultural e Educacional Ibrahim Alves de Lima e ser utilizada pela população da cidade. O elegante projeto de requalificação da Fábrica e seu entorno rendeu ainda um Prêmio “Ex-aequo” oferecido pelo IAB-SP ao arquiteto Rafael Perroni e Márcio do Amaral, seus autores.

Questões legais e administrativas também pesam a favor da preservação. No dia 03 de fevereiro foi publicada no Diário Oficial do Estado a abertura do processo de tombamento da Fábrica de Sal pelo CONDEPHAAT, o que a coloca sob a mesma condição de bem tombado até decisão final do conselho estadual: há sanções previstas por lei para quem alterar ou demolir o imóvel. Além disso, o vereador Renato Foresto acionou também o Ministério Público que abriu ação civil pública e teve liminar aprovada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo exigindo policiamento 24hs por dia para garantir a integridade da Fábrica durante o processo de tombamento ainda que aprovado o PL 004/2016. O projeto também não e unanimidade entre os vereadores. Alguns acusam a lesividade do projeto ao município uma vez que não prevê contrapartidas para a Prefeitura – uma concessão gratuita por 99 anos e com incentivos fiscais.

Seja qual for o desfecho do caso da Fábrica de Sal, ficam duas lições. Aos governantes, a obrigação de respeitar as instituições democráticas e a legitimidade da participação social em qualquer setor da gestão pública conforme prevê a Constituição Federal de 1988 e toda a legislação que se seguiu a ela. À população, o aprendizado de que não há democracia sem participação, seja por meio dos órgãos democráticos com participação da sociedade civil, como o CMDPCN, seja pela ação direta de movimentos sociais defendendo sempre, junto às autoridades, as questões de interesse público das nossas cidades. O que está em jogo é mais do que a defesa do patrimônio cultural. É a defesa de espaços públicos e das instituições democráticas. 

*Marcelo de Paiva
Historiador

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