sexta-feira, 19 de julho de 2013

2ª Conferência Municipal de Cultura de São Bernardo do Campo - Impressões


Simone Massenzi Savordelli
 

Foi a primeira vez que participei de uma conferência e a experiência foi válida por ver como se forma o debate e como o povo anseia por voz. O povo precisa falar o que sente, o que pensa, e sobre o que deseja como retorno da atuação da gestão pública.

No geral, esta conferência permeou o debate aberto, com permissão para que todos pudessem expor suas demandas, buscando manter o objetivo central da conferência subdividido nos eixos de implementação do sistema nacional de cultura; produção simbólica e diversidade cultural; cidadania e direitos culturais; e cultura e desenvolvimento. Mas, houve embates, como é próprio do confronto de ideias e opiniões e o que mais adiante tentarei relatar.

Após a abertura com a fala do Secretário de Cultura, Osvaldo de Oliveira Neto, com ênfase na sustentabilidade das ações culturais, na importância da participação popular e na arte transformadora e como bem maior para a cidade, veio a fala do Prefeito Luiz Marinho.

Aqui já surgem alguns questionamentos. O Prefeito salientou sobre tantos pontos ainda por serem realizados em decorrência de que a Secretaria de Cultura é uma secretaria jovem e que ainda depende de estruturação e é este o problema. A Secretaria implantada em 2009, após três anos ainda depende de estruturação. Para uma cidade tão dinâmica como São Bernardo e que tem demonstrado grande desenvolvimento nos últimos anos, três anos é muito tempo para se falar em falta de estruturação de uma secretaria tão importante quanto às outras.

Muito embora se diga e se reconheça que muitas ações foram implementadas e que há boa vontade, no meu entender, o povo espera e quer mais. Mais atuação, mais certeza e mais dinamismo nas respostas. Nota-se da analise do que foi realizado após a 1ª Conferência a notícia de que, daquilo lá deliberado, se realizou apenas 38% sob a justificativa de que não havia estrutura até então.

A esperança, do verbo esperançar, não nos deixa esmorecer e assim espero que, de fato, após tantas manifestações populares cobrando por uma seriedade política e administrativa, as pedras do caminho sejam colocadas no acostamento e à estrada se deem os largos passos necessários para uma condição de vida melhor, aí incluídas as questões culturais.

Ainda com referência à fala do Prefeito, ele colocou que a riqueza cultural não pode ficar restrita tão somente à produção de artes, mas deve abranger o comportamento cultural da sociedade e também ter em conta o “padrão de cultura” que a cidade almeja e que o processo de transformação depende da continuidade de projetos.

As palavras ditas, ou escritas, são bem colocadas, mas a realização é outro passo. A maior dificuldade de todas é exatamente a continuidade de projetos que, em regra, se são paralisados, esquecidos e abandonados até mesmo dentro de uma mesma gestão, quem dirá em gestões posteriores que agem como se tudo o que foi feito fosse ruim e sempre zeram o cronometro. Enquanto isso, a sociedade sofre!

Sim, compartilho da opinião do Prefeito pela continuidade dos projetos e mais, das ações, do pensamento, do debate e do entendimento daquilo que vem a ser política pública de cultura, mas, até hoje não vi nada que me dê tranquilidade para acreditar na continuidade. Aliás, a continuidade seria a melhor forma de atribuir sustentabilidade às políticas públicas de cultura, salvo melhor juízo! Aqui mais um ponto de reflexão, fiscalização e cobrança.

Nesta primeira parte da conferência, teve a fala do Professor Doutor Dennis de Oliveira que além de ser professor na USP, atua como consultor em comunicação, educação e cultura em instituições públicas, particulares e organizações não governamentais.

Esta parte, mais teórica, embasou o pensamento e a reflexão não só sobre os temas propostos nos eixos, mas contribuiu para a instrução e informação dos participantes atentos, com enfoque à diversidade cultural, à expressão cultural libertadora e a cultura como direito a ser pensado com a construção de conhecimento coletivo e da pessoa como portadora de ideias e valores. O pensar com objetivo no sujeito mais humano, com mais vivência e não somente como sujeito de consumo, diante da transformação da era da produção para a era da informação.

Assim seguidos os debates sobre a palestra apresentada, as críticas foram fortes e no sentido de que as políticas públicas atuais não geram nenhuma mudança real na essência da sociedade, e é de se pensar!

Neste ponto, onde o norte será a parte mais burocrática da conferência e em que passou-se à aprovação do regimento, saliento que no credenciamento foi entregue um envelope com vários prospectos, com o regimento, com o texto base dos eixos e com a ordem dos trabalhos. E o detalhe é que os trabalhos foram iniciados sem a leitura previa da ordem do dia. Já que havia uma ordem estabelecida e escrita, nada mais justo que fosse lida para a concordância de todos uma vez que dentro de um processo democrático de participação popular. Mas não foi lida e quando se chegou à fase da aprovação do regimento, eis que surge o auge do embate, no meu ver, com uma postura que evidencia uma tentativa de limitação da liberdade de expressão.

Na ordem do dia, um momento estava dedicado à apresentação das moções da seguinte forma, que merece ser transcrita: “Os/as participantes só poderão apresentar moções que tenham como conteúdo o tema central e os eixos temáticos da Conferência Nacional de Cultura; Somente serão aceitas moções que forem assinadas por 20% ou mais dos credenciados na conferência; As moções serão recebidas pelos representantes da COE – Comissão de Organizadora e Executiva, devidamente identificados e divulgados pela coordenação dos trabalhos. As moções só serão permitidas até o final do trabalho dos grupos temáticos; Caberá à COE – Comissão de Organizadora e Executiva da Conferência Municipal de Cultura – deliberar sobre a admissibilidade das moções; As moções deverão ter, no máximo, uma lauda e não poderão substituir as deliberações da II Conferência Municipal de Cultura.”

Da simples leitura, sinto a repressão. A apresentação de moções foi aprovada e passou a constar no regimento, mas sem nenhuma especificação de limitação quanto ao seu conteúdo, ou quanto à necessidade de quantidade mínima de assinaturas para ser apreciada. Aliás, neste ponto, a coordenadora chegou a dizer que tal limitação estava prevista no Código Civil.

Não me lembro de ver alguma disposição no Código Civil de como deve ser regida, exatamente, uma moção. Me parece que o lugar adequado para dispor sobre as regras de apresentação, apreciação e aprovação da moção seria o próprio regimento da conferência e se ali nada estiver disposto, a própria conferência por intermédio de votação na plenária poderia, de forma democrática, estabelecer os parâmetros.

Mas as regras, neste ponto foram impostas. Após debates, o conteúdo das moções passou a ser livre, desvinculado da temática da conferência. Um avanço, mas só. No mais, só foram apreciadas e votadas as moções que continham o número mínimo de assinaturas.

A moção, caracterizada como “proposta, numa assembleia, sobre o estudo de uma questão ou a propósito de incidente que ali surja” (Aurélio), no meu entender não pode encontrar limite de conteúdo. É o momento de expressão democrática norteada pelo bom senso daquele que propõe a moção e que deve ser apreciada por todos. Limitar o seu conteúdo e a sua análise é o mesmo que limitar a liberdade de expressão. Registro que, eu mesma, somente tomei conhecimento de uma moção, todas as outras que atingiram os requisitos necessários para serem apreciadas não passaram pelas minhas mãos, logo, não sei se ali teriam outras moções, além daquelas que foram levadas à apreciação da plenária, que eu teria assinado, ou não... Creio ser um processo falho e a ser repensado para conferências futuras.

Quanto aos trabalhos distribuídos por eixos, não compreendi a divisão dos grupos de trabalho. Cada eixo contou com dois grupos separados de debates e de apresentação de diretrizes. Enquanto eu estava em um grupo, havia outro debatendo o mesmo assunto e eu não poderia saber o que ali estava sendo pensado, desenvolvido e criado. Por mais que a quantidade de pessoas possa criar um entrave ao debate, no mesmo passo a quantidade de pessoas pode enriquecer o debate. Voltamos à plenária sem saber quais seriam as diretrizes do outro grupo do mesmo eixo.

Mas o ponto positivo foi que, ao menos no eixo em que participei, o debate foi muito democrático e os coordenadores dirigiram os trabalhos sempre respeitando todas as opiniões e tentado fazer com que todas as diretrizes fossem elaboradas de modo a atender da forma mais ampla possível aos anseios ali expostos.

Sinto que o tempo foi muito curto e em decorrência disto não houve a possibilidade de expor todas as demandas que eram necessárias. Neste ponto, creio que a conferência deveria ser pensada para ser realizada com uma amplitude maior de tempo, prestigiando mais o debate.

Talvez fazer uma conferência de dois dias: um dedicado à abertura, palestra, aprovação do regimento, debates nos grupos de trabalho e elaboração das diretrizes e outro para a exposição das diretrizes e aprovação, moções, eleição dos delegados e encerramento. Precisamos falar, precisamos de tempo para argumentar e para trocar experiências e vivências.

Também compactuo das opiniões de que há a necessidade de se terem pré-conferências, com o chamamento da sociedade para a participação em tão importante processo de democracia.

Não é possível que tudo seja um primor, mas é possível construir um caminho e se a sociedade se fizer ouvir, vamos conseguir.

Por fim, a crítica à própria sociedade que clama por melhores condições, mas ainda participa pouco. Foram apenas 172 inscritos. Esperava mais participação popular. Será que é porque é sobre cultura?

Vamos disseminar o conceito de cultura como agregador da formação da pessoa e do pensamento crítico. Cultura não é um produto mercadológico, cultura é a estrutura essencial de um povo. 

2 comentários:

  1. Cara Simone, para quem debutou em conferência (como você afirmou no início do seu texto), percebe-se que esteve presente de corpo e alma.Parabéns!!!
    Parafraseando o falecido Celso Furtado: a cultura de um povo revela a qualidade do seu desenvolvimento.

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  2. Obrigada Neusa! Sempre com o incentivo dos amigos...
    Simone M.

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