segunda-feira, 2 de julho de 2012

O adeus de dois foliões

Neusa Borges

       Na nossa cultura ocidental, nós pobres mortais vivemos fazendo de conta que viveremos para sempre, assim como também acreditamos que para sempre viverão as pessoas que amamos. Pensamos que a morte virá somente para aquele político corrupto que odiamos, e também para aquela nossa vizinha invejosa.
       Se fosse possível estabelecer uma espécie de pacto com a morte (o que, aliás, considero muito justo), solicitaria que as crianças fossem poupadas (a perda de uma criança é sempre mais sentida por todos), e que os pais não precisassem enterrar os seus filhos. E, e se não fosse exigir demais, também pediria que nunca passássemos pela dor de perder pessoas queridas em tão curto espaço de tempo.
       No dia dezessete de maio, recebemos a triste notícia do falecimento do Grimaldo, integrante da Folia de Reis Estrela Guia, do bairro Divinéia, em São Bernardo do Campo. Decorridos cinco dias, ou seja, no dia vinte e dois, ficamos incrédulos com o comunicado de que José Alves de Lima, o seo Zé, embaixador da Estrela Guia, também falecera, em consequência das complicações de um AVC, o mesmo AVC que levou o seu parceiro com o qual conviveu durante muitos anos, levando emoção e alegria nas casas que abriam as portas para receber a bandeira dos santos reis, por ocasião do ciclo natalino.
       Grimaldo Sampaio, 70 anos, era natural de Matão (SP). Aposentou-se como metalúrgico. Morava no bairro Jerusalém. Deixa a mulher Nair, cinco filhos e seis netos.
José Alves de Lima, 73 anos, era natural de Malacacheta (MG). Aposentou-se como ajudante geral. Foi um dos primeiros moradores do bairro Divinéia. Deixa a mulher Maria, cinco filhos, onze netos e duas bisnetas.
       No ano de 1984, com o nome de Folclore do Parque Havaí, Alcides José Martins fundou a companhia de reis, do qual se tornou embaixador. Em 1998, após sofrer um acidente automobilístico, Alcides transfere o comando da companhia para José Alves de Lima, que exercia o cargo de vice-presidente.
       No ano de 2000, o grupo mudou de nome, passando a se chamar Estrela Guia, com a maioria dos componentes morando no bairro Divinéia. Para o cargo de embaixador, José de Lima nomeou o filho Valdemir de Lima, que, dois anos depois veio a falecer, ainda muito jovem, após um acidente automobilístico.
Foi duro continuar. Mas José de Lima não desistiu. Voltou a ser embaixador, permanecendo à frente da companhia até o fim da vida.
        Ao jornalista Ademir Medici, relatamos a nossa emoção ao ver o bairro Divinéia parar para velar seo Zé de Lima, cuja família fez questão de que a casinha que ele construiu com enorme sacrifício, fosse o local onde os seus parentes e amigos iriam dele se despedir pela última vez.  Na missa de sétimo dia do Grimaldo, todos nos emocionamos, quando, ao término, foliões do Divinéia e de Diadema cantaram em homenagem àquele que, durante grande parte da sua vida, também cantou e encantou os corações dos que paravam para ouvi-lo.
        Tendo o privilégio de acompanhá-los em várias atividades, guardarei para sempre em minha memória vários momentos marcantes que presenciei ao lado dos nossos queridos foliões que partiram. No ano passado, por exemplo, por ocasião do XI Congresso de História do Grande ABC, em Diadema, na mesa de debates sobre culturas populares, José de Lima era um dos convidados, ao lado de outros onze artistas populares, bem como de dois acadêmicos. Momentos antes de iniciar a atividade, após ser indagada por ele sobre o quê deveria falar, como resposta disse-lhe que não se preocupasse com os acadêmicos da mesa, pois ambos eram pessoas que já estavam habituadas com atividades naquele formato e, enfim, era para que deixasse o seu coração falar.
        O fato é que eu estava preocupada, pois, sabendo da sua dificuldade em falar para grandes plateias, temia que a sua gagueira (comum quando ficava nervoso) se acentuasse na hora da sua fala. Foi surpreendente! O embaixador falou e disse, sem gaguejar e com uma desenvoltura impressionante.
       Dias depois, fiquei sabendo que, ao ser indagado pelo Valdemar, o bastião da folia, sobre a sua performance no referido congresso, seo Zé  respondeu o seguinte: “Acho que o povo gostou, pois recebi muitas “parma”. Grande!
       No dia dezenove de dezembro do ano de 2009, poucos dias antes do Natal, José de Lima e seu parceiro Grimaldo ficaram muito emocionados - e incrédulos - diante do grande cantor sertanejo, Pena Branca, que fora convidado para as festividades em comemoração aos sessenta anos da Folia de Reis Baeta Neves. No momento do seu show, Pena Branca, numa demonstração de grande generosidade, os chamou ao palco e, juntos, cantaram várias músicas em louvor ao Menino Jesus e aos Reis Magos.
Menos de dois meses depois daquele dia emocionante, no dia 9 fevereiro do ano de 2010, foi com muita tristeza que os foliões receberam a notícia da morte de Pena Branca, que não resistiu a uma parada cardíaca.
       Devido ao amor de Pena Branca pelas folias de reis, bem como pelo carinho com que tratou José de Lima e Grimaldo, tenho a impressão de que os três devem estar fazendo a maior cantoria juntos lá no céu.
       Nós aqui na terra, vamos sempre nos empenhar para que as futuras gerações batam sempre muitas “parmas” para eles.

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