sexta-feira, 22 de junho de 2012

SOS Carlos Gomes: a retomada necessária de um movimento


Marcos Sidnei Pagotto-Euzebio, bacharel em filosofia, professor da FE-USP; Renato Dotta, historiador, professor da UNIABC - Anhanguera; Silvia Helena Passarelli, arquiteta e urbanista, professora da UFABC.

Caminhando pelo centro de Santo André e mais uma vez nos assustamos com o estado das obras de reforma do Cine Teatro Carlos Gomes.
Um patrimônio cultural está sendo destruído e não há aprovação do COMDEPHAAPASA (conselho formado pela sociedade civil e representantes do governo municipal que cuida da defesa do patrimônio cultural de Santo André), não há consideração à memória do lugar, não há responsável técnico pela obra, não há detalhamento do que se vai fazer, não há cuidado com o bem. Já soubemos que a estrela central de gesso foi retirada do forro e se quebrou, certamente devido à falta de profissionais tecnicamente gabaritados para removê-la com o cuidado que mereceria.
A aprovação do COMDEPHAAPASA é uma obrigação legal para a intervenção em um bem tombado. É o momento em que se discute a intervenção e se negocia a melhor forma para que um lugar pleno de memória receba um uso adequado à preservação dos valores culturais. É o que se exige do proprietário particular. Ter um projeto é exigência para qualquer obra – particular ou pública. Como explicar uma intervenção pública sem projeto, uma licitação sem orçamento ou uma intervenção em um bem tombado sem uma empresa especializada?
Por notícias de jornal, vamos conhecendo detalhes da intervenção: a justificativa da obra é criar um espaço exclusivo para a Orquestra Sinfônica de Santo André a um custo que se iniciou com 2,6 milhões de reais, depois a soma chegou a 3,5 milhões de reais e hoje versa em 5 milhões de reais. Como avaliam o valor de uma obra sem um projeto arquitetônico?
Um projeto dessa envergadura e que remete a uma obra em um local de importante significado simbólico para a cidade como é o Cine Teatro Carlos Gomes, mais antigo teatro da região e um dos mais antigos do país, deve ser apresentado e debatido coletivamente. Além do dever legal de aprová-lo junto ao Comdephaapasa, deveria, antes do início das obras, ser apresentado em audiência pública a todos interessados que queiram ter ciência dos rumos que este bem cultural tomará a partir de uma proposta de reforma, readequação ou restauro. Essa atitude seria o mínimo para uma gestão pública preocupada com a memória da cidade e a história desse equipamento cultural.
Como a audiência não ocorreu e a obra está ali, acontecendo sem placa, feita à revelia da boa informação a todos os cidadãos (e sem a devida segurança caso ocorra algum acidente), fica a incerteza sobre as reais intenções das autoridades responsáveis pela obra. Imagino que a partir da estrela mutilada pouco restará de outros elementos necessários para a salvaguarda da memória.
Em contato com colegas da sociedade civil soube que há um esboço que traz inadequações do ponto de vista do uso múltiplo do espaço, como ocorre em muitos teatros contemporâneos; propõe-se a criação de anexos que envolveriam a atual construção dificultando a leitura original do edifício, o que não pode ser permitido em edificações consideradas patrimônio cultural (sobre o hall de entrada vai ser construído um terceiro piso para guarda de equipamentos e no fundo um edifício de 4 pavimentos terá uma série de funções). Ou seja, é um projeto que cria várias salas de diferentes tamanhos, impedindo o uso diverso dos espaços, desafio que a arquitetura do início do século XX já superou e que cria um conflito claro de leitura da paisagem urbana, ferindo a volumetria da Rua Cesário Mota (ainda uma rua estreita que retrata a origem da cidade).
Além disso, no esboço, não há informações que visem o uso de recursos de acústica (uma parede impede a passagem do som entre o lugar destinado ao coro e a plateia), há pontos cegos na plateia e no balcão (aliás, o balcão se sobrepõe ao palco criando mais um obstáculo ao som), não há espaço para a orquestra no fosso nem detalhamento para a movimentação do “palco removível”. Na área de serviço do palco, vários corredores vão impedir o deslocamento de instrumentos de maior porte (especialmente de um piano). Todos estes elementos fundamentais para a criação de uma sala de concertos.
Passado o momento do desabafo, torno pública a minha angústia, para coletivamente buscar caminhos (urgentes) com vistas a impedir que uma obra sem anuência do órgão de defesa do patrimônio cultural, sem esclarecimento à população possa ter continuidade da forma como está. E, o que é pior, que a cidade ganhe um espaço sem funcionalidade, necessitando de novas reformas e adaptações futuras para ter algum tipo de uso.
Lembramos que no passado o Cine Teatro Carlos Gomes já esteve na berlinda, com o risco de uma demolição iminente quando o cinema foi fechado e o movimento SOS Carlos Gomes conquistou a preservação deste edifício e de suas memórias, nossas memórias, envolvendo cerca de 25 mil pessoas que assinaram um manifesto pela recuperação do cinema. Foi esta movimentação que fez com que o velho cinema fosse reconhecido por seu valor cultural, com o de tombamento homologado pelo Prefeito em 1992.
Talvez seja agora o momento de novamente a sociedade se movimentar em prol do conhecimento do que se pretende realizar nesse espaço, que tantas lembranças guarda a favor da cultura de Santo André. Pela memória de toda a região ABC.

Emails para contato:
Marcos Sidnei Pagotto-Euzebio: hipias@hotmail.com
Renato Alencar Dotta: radotta74@yahoo.com.br

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