terça-feira, 1 de maio de 2012

Campanhas sucessórias e políticas públicas da cultura

dalila teles veras

Em conversa recente com uma amiga, com quem há anos compartilho ideias e militância cultural, confessamos uma à outra o nosso desânimo diante da tabula rasa em que, via de regra, os governos  metem as questões da cultura.
A esperança na possibilidade de mudanças diminui quando se ouve novos e velhos postulantes a cargos eletivos abordarem o tema. É verdadeiramente preocupante ver como  "atividades e grandes eventos" ainda pautam as (inexistentes) políticas públicas da cultura. Panorama de terra arrasada mesmo, disfarçada em espetáculo pirotécnico e conteúdo (muito) duvidoso.
Dói (e ao mesmo tempo chega a ser patético) receber assédio diário de gente que sempre nos ignorou e que agora quer colar à sua estampa um verniz de secagem rápida, mas "visível". O verniz da cultura (ou o que para eles representa cultura).
Neste sombrio panorama, todos aqueles que passaram a vida lendo, discutindo, propondo, praticando e refletindo sobre o assunto, tendem ao desânimo diante da correlação de forças, ou seja, levar em conta a realização de um projeto sólido de construção, calcado em longo e firme processo versus a simplificação reles da política de balcão e espetáculo. Joga-se no lixo a massa crítica acumulada no estudo, na discussão e na prática, posto que as pessoas comprometidas com esse processo jamais são ouvidas e levadas em conta, e, no lugar, coloca-se a mediocridade que visa apenas ao que chamam de "visibilidade" para a gestão, de acordo com a conveniência política do momento.
Distribuiu panfleto na campanha eleitoral do Prefeito? Cantou no palanque dos comícios? Pronto, candidato virtual a um cargo ou, quem sabe, a uma diretoria ou secretaria. Em que área? Ora, na cultura, que é o setor onde tradicionalmente se mete todo aquele que precisa de uma "recompensa" pelos "relevantes trabalhos prestados à campanha", mas que, a bem dizer, não se sabe bem o que faz e nem onde pode ser metido. Depois, esses senhores(as), como já ouvi de titulares de pastas da Cultura, se arvoram em "doadores de cultura para o povo".
Antes que comecem suas respectivas gestões, deveriam ser informados por alguém bem intencionado, que o Estado não pode e nem deve ser mero distribuidor de verbas através do despacho de recursos e tampouco exercer o papel de Caio Mecenas (70 a.C.8 a.C.), o Ministro de Otávio Augusto, que distribuía favores em troca de fidelidade ideológica. O papel do Estado também não é propriamente o de gestor, com o nosso já velho conhecido dirigismo estatal e catequese partidária, disfarçados em política de cultura. O Estado tampouco é produtor cultural, é bom que se lhe diga. Deve, isto sim, ser um facilitador  e multiplicador de condições para que a prática cultural seja ampla e descentralizada, fugindo do paternalismo e do toma-lá-dá-cá.
Assim como o Estado não deve arcar com toda a responsabilidade das questões culturais, a iniciativa privada  também não pode ser vista como a saída para todas as soluções.
Ao longo de toda sua história, o Brasil raramente mostrou competência na administração das questões culturais, oscilando entre práticas como o dirigismo ou paternalismo,  ora em desastrosas trocas e favorecimentos. Entretanto, é preciso admitir que avanços e ousadias nas políticas públicas da cultura foram implantados no governo Lula com ampla participação e adesão da sociedade civil em todo o território nacional (vide Plano Nacional de Cultura, Plano Nacional do Livro e da Leitura, Pontos de Cultura, etc.), mas que, lamentável e inexplicavelmente, neste governo Dilma perderam força, patinam ou, por questões políticas e opções pessoais da atual Ministra, não apresentam as soluções de continuidade (ou, se for o caso, de revisão) esperadas. Nem por isso deixaram de ser importantes. Por se tratar de programas que garantem continuidade de políticas públicas, independentemente dos partidos que venham a assumir os governos futuros, devem continuar a merecer o apoio da sociedade.
No plano local,  é hora de estabelecermos, de forma legitima, eficaz e permanente, relações e diálogo entre sociedade civil e governo, fazendo valer demandas, metas e massa crítica acumuladas pela comunidade cultural, como é o caso das Conferências de Cultura realizadas em toda a região, incentivando sua continuação, revendo e ampliando seu conteúdo. Conselhos de Cultura legitimamente constituídos, atuantes e representativos devem, sim, ser estimulados pelo governo local. É hora de exigir políticas públicas que vão além do mero discurso de intenções.
Isso dá muito trabalho, como sabem todos aqueles que deixam seus afazeres cotidianos para doar boa parte de seu tempo à "militância" cidadã, participando voluntariamente de debates, Conselhos, Conferências, Seminários, Fóruns, Associações de Amigos de Bairro, etc. Entretanto,  pergunto-me se desconfiarão desses caminhos e estarão dispostos à doação e ao sacrifício os meros perseguidores de poder, oportunistas de plantão que fazem da política trampolim para seus projetos pessoais e sonhos de glória? É o que precisaremos verificar neste ano eleitoral, em especial, levantando e conferindo a "vida pregressa" dos candidatos e seu envolvimento histórico com essas questões.

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