Neusa Borges
São Bernardo do Campo completa 458 anos, ostentando o título de uma das cidades mais prósperas do Brasil.
O fato é que a sua riqueza não foi construída somente pelos nativos (apelidados de batateiros), mas por homens e mulheres vindos das mais diferentes regiões do país, bem como pelos que vieram de outros países, a exemplo dos italianos, japoneses, portugueses, entre outros.
Num passado não muito distante, havia os que diziam que São Bernardo era uma cidade-dormitório, ou seja, a sua vocação seria apenas o trabalho e ponto final. Ora, isso até seria verdade, não fosse o homem dotado de espírito e não apenas um animal que trabalha. Portanto, após o apito da fábrica sinalizar o fim de mais um dia de trabalho, era chegada a hora de ir para casa, ou parar num bar no Bairro Ferrazópolis para curtir uma cantoria nordestina. Ah, também havia a opção de ir a uma adega para degustar um vinho artesanal feito por italianos ou portugueses, jogar conversa fora e, ainda, aprender alguns termos em italiano.
As mãos do batateiro quase octogenário, Luiz Marotti, que fizeram muitos móveis para abastecer os lares da cidade e Região, também preparavam e ainda preparam o quentão e o vinho quente para as imperdíveis festas juninas no Clube da Alameda Glória, na Vila Duzzi.
Na década de 1970, mesmo trabalhando muitas horas numa fábrica de automóveis, um jovem morador do Parque São Bernardo acalentava o sonho de retomar uma manifestação cultural que nascera no seio de sua família, em Monsenhor Paulo, Minas Gerais. Com fé em Nossa Senhora do Rosário e em São Benedito, mais os instrumentos emprestados da Escola de Samba Baeta Neves, nascia, nos anos de 1980, o Grupo Folclórico Congada do Parque São Bernardo. O jovem sonhador transformou-se no Mestre Ditinho, que, em maio deste ano, festejou os trinta anos de congada na cidade.
E, como a cultura nasce das respostas que damos às exigências da vida, nos final da década de 1980, a vida dura dos jovens das periferias os levou a denunciar as condições precárias em que viviam. Nascia o Movimento Hip Hop, que tomou as ruas e clubes da cidade, deixando muita gente assustada, pois aquilo era algo que soava “estranho”; as letras das músicas, ácidas e de muito protesto, afinal, eles sentiam na pele as consequências da exclusão social.
Na Pista de Skate, hoje Parque de Esportes Radicais, centenas de jovens se espremiam para ver a performance de manos e minas no palco. Mc Tatá cantava “(...) Resolvi fazer um rap para não apavorar/Mas sim para o presidente um recado eu vou dar.”
Tempos depois, pelas bandas do Jardim Silvina, surge Walter Limonada fazendo o chamado rap positivo. Virou educador e, com sua câmera em punho, vive fazendo imagens para o seu programa A Hora do Limão.
Quem se propuser a observar a cidade, vai enxergar novos lugares de manifestação criativa, a exemplo de uma Praça no Jardim Calux, onde a garotada está sempre em contato com atividades culturais coordenadas pelas incansáveis Cris e Cibele, jovens integrantes do grupo As Marias.
À aniversariante do dia 20 de agosto, meus votos para que ela continue se desenvolvendo, atentando para o que escreveu o saudoso dramaturgo Augusto Boal: “Cultura não é luxo: sou eu, é você, é o Lula! É o povo na praça. “A praça que é do povo, como o céu é do condor” – já dizia o poeta Castro Alves!”.
Pois é... A cidade aniversariou, comemorou, mas as comemorações, como em todas as outras cidades desta nossa região, não mostraram nada disso. Interessa ao Poder público o espetáculo, e dá-lhe os produtos da indústria cultural ofertados a peso de ouro. Afinal, cidade própero significa dinheiro e dinheiro é mesmo para ser gasto, de preferência naquilo que chamam de "visibilidade", o show, simulacro, sempre.
ResponderExcluir