quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Cultura no ABCD: Estado e Sociedade

(artigo publicado em dezembro de 2010 no jornal ABCD Maior, com pequenas alterações)
Julio Mendonça

Vou, aqui, buscar compreender um pouco da dinâmica cultural que a inteligência e a sensibilidade dos habitantes do ABCD produziram nos últimos dez anos. Apesar da importância crescente da administração pública para propor contrapesos para “a força da grana que ergue e destrói coisas belas” e potencializar o papel inovador da cultura, temos, também, elementos para perceber como esta é capaz de criar vida autônoma e transformadora.

O fato político mais marcante acontecido na região nesse período – o assassinato de Celso Daniel – tirou de cena o mais inovador administrador público que aqui surgiu nos tempos recentes, o qual, em suas duas administrações em Santo André nos anos 90, tinha renovado a ação cultural com uma vigorosa mobilização da vida criativa na cidade.

Infelizmente, na maioria dos municípios da região mal pudemos distinguir nas ações de governo uma política pública de cultura no sentido de uma intervenção deliberada, com os meios apropriados, com o fim de obter determinados efeitos. As políticas culturais realmente existentes preferiram voltar-se para os eventos e objetos e descuidaram dos processos.

No âmbito nacional, o período foi marcado pela mudança do paradigma da política neo-liberal de incentivo à cultura com renúncia fiscal para uma política de fomento público à cultura, com o Ministério da Cultura (MinC) conduzindo um debate público para a construção do Plano Nacional de Cultura. O Plano, entre outras diretrizes, preconiza a participação e o controle social nas políticas culturais.

No ABCD, os reflexos dessa mudança ainda são muito pequenos. Diadema manteve alguns avanços alcançados ainda nos anos 90. Além de ser a cidade com a rede mais descentralizada de equipamentos culturais, é também a que apresenta maior participação, ainda que não seja institucionalizada.

Nos últimos dois anos, duas administrações municipais – de São Caetano e de São Bernardo – mostram alguma evolução, com um investimento importante, na segunda, na política de fomento por meio de editais. Mas o processo de inversão de prioridades não acontecerá sem a criação de mecanismos efetivos e institucionalizados de participação. Não alcançamos a integração entre as políticas de educação e cultura e, com ela, a promoção da diversidade e o enfrentamento do preconceito. As bibliotecas públicas da região não superaram a inadequação de instalações físicas, de acervos e da informatização. Nota-se, também, a falta de iniciativas voltadas para a inclusão digital culturalizada, a necessidade de investimento na formação dos profissionais da cultura e para a integração regional de ações culturais.

O recente episódio de divulgação de dados comprometedores pelo site WikiLeaks e sua repercussão é uma indicação forte do valor que a participação da sociedade civil adquiriu. Na cultura do ABCD essa participação tem uma história que deve ser conhecida e reconhecida.

Temos que lembrar a importância da atividade do GIPEM (Grupo Independente de Pesquisa da Memória) que resultou na organização das dez edições do Congresso de História do ABC; as iniciativas do Prof. Luiz Roberto Alves no Laboratório Regional do IMES (atual USCS) e na Cátedra Gestão de Cidades da Universidade Metodista, que, nos anos recentes, empreendeu um projeto de pesquisa sobre Indicadores de Cultura e deu início a um curso de pós-graduação sobre Gestão de Políticas de Cultura; o Coletivo de Cultura do Grande ABC, que realizou um Seminário Regional de Cultura; a participação dos manos do Hip Hop na criação da Casa do Hip Hop, em Diadema; a atuação da Livraria Alpharrábio como aglutinadora dos interessados no debate cultural e o Fórum Permanente de Discussões Culturais do ABC que ali se reúne. Ao lembrar estas iniciativas, provavelmente estou esquecendo outras. Não teria como ser exaustivo a respeito, aqui; pretendo apenas ressaltar a importância das mobilizações da sociedade em torno de questões culturais.

Em meio a acertos, cooptações e fracassos meritórios, os esforços da sociedade civil na região merecem como resposta a afirmação de Teixeira Coelho de que “política cultural que não fortaleça a sociedade civil (...) não tem mais razão de ser”.

As lógicas comunicativas das sociedades midiatizadas, como a nossa, são estruturais: o controle dos meios é estratégico para a centralização cultural de consumo. Por isto, para se contrapor a essa comunicação para o consumo, as políticas culturais devem operar com meios e processos para possibilitar ações comunicativas públicas. Organizar processos e meios é tarefa de políticas públicas e de um Sistema de Cultura. O Plano Nacional de Cultura recém aprovado tornará necessário que os municípios pensem a sistematização dos meios e processos culturais locais, não apenas para cumprir a agenda do MinC, mas porque está cada vez mais clara a inadaptação do poder público para responder à diversidade de formas dos arranjos criativos inesperados da população.

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