quinta-feira, 13 de abril de 2017

Abre-alas*


Julio Mendonça

          Participação origina-se do latim “pars, partis”, que significa parte, quinhão, porção, o que faz parte de. Daí deriva “participatio”: fazer parte, tomar parte. Portanto, na participação fica implícita a noção de limitação: algo ou alguém (parte) participa de alguma coisa que é maior ou mais complexa (todo). Essa dimensão ampliada é, em muitos casos, também universal e envolvente. Ela nos remete à dimensão da condição humana: cada ser humano lida com suas limitações e, ao mesmo tempo, adquire uma maior ou menor noção da magnitude do conjunto das realizações e das carências dos seus semelhantes, em relação às quais pode se sentir menos ou mais responsável. Conforme sabemos, cada indivíduo faz parte de uma determinada sociedade e da humanidade em geral, independente de sua vontade. Ainda que sem sua consciência e à sua revelia, é chamado a fazer parte, isto é, a tomar parte de alguns deveres e direitos. Imposições (ou constrangimentos) e escolhas. Compromisso. Nossas limitações e carências nos condicionam a nos submeter a compromissos. Nosso sentido de identificação e pertencimento também pode nos motivar a, voluntariamente, assumi-los. Os termos extremos dessa relação: por um lado, determinismo social, violência simbólica e reprodução cultural; por outro, resistência política, cultural e ética. Em algum ponto entre esses extremos, há a participação pelo convívio, pelo compartilhamento: mais afetuosa, prazerosa e civil.  Compromissos são assumidos, não com coisas, mas com as relações. Por exemplo, relações de identidade e diversidade (as quais se encontram na ordem do dia, no debate cultural atual). A participação voluntária e consciente, decerto, requer conhecimento dos termos. Mas pode implicar, também, a luta pela revisão e alteração desses termos. Em que termos fazemos parte? Como lembra Boaventura de Souza Santos, o contrato social é a metáfora que funda a modernidade e esse contrato “só se legitima pela não existência de excluídos”, ainda que a inclusão generalizada seja mais formal do que real. A modernidade – ressalta o autor – é um campo de lutas sobre os termos da inclusão/exclusão. A participação, portanto – e desde que considerada no seu espectro mais consequente, que transita entre responsabilização e autonomia –, é fundamental para o alargamento dos limites da democracia e o aprofundamento das suas consequências.



*Texto de abertura do livro “Democratizar a participação cultural”, que será lançado pela Dobradura Editorial no próximo dia 19 de abril, às 19h, na sede da Ação Educativa: rua General Jardim, 660 – Vila Buarque.

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