quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Cultura sem Carimbo III - Congada e Festas populares em SBC






A terceira rodada de debates promovida pelo Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC, Cultura sem Carimbo, teve como convidados do mês de agosto, seu Marotti e Ditinho da Congada, que assim foram apresentados por Neusa Borges, que exerceu a função de mediadora:







"João Luiz Marotti, mais conhecido como Luiz Marotti, nasceu em São Bernardo do Campo. É presidente do Centro Recreativo e Cultural Alameda Glória - mais conhecido como Clube do Alameda-. fundado há mais de seis décadas. Há mais de cinquenta anos, promove as famosas festas juninas no clube, sendo que durante várias décadas, foi marcador oficial da premiada Quadrilha Junina do Alameda. Atualmente, aos 83 anos de idade, é marcador da Quadrilha Junina do grupo da 3ª Idade da Associação dos Funcionários Públicos de São Bernardo.

- Benedito da Silva Lemes, o Ditinho da Congada, nasceu em Monsenhor Paulo, MG. Ainda menino, mudou-se para São Bernardo do Campo, onde reestruturou o grupo de congada criado por sua família havia mais de um século. 

Ditinho da Congada é o mestre do Grupo Folclórico Congada do Parque São Bernardo, e também presidente da Escola de Samba Renascente do Parque São Bernardo. Há quinze anos, está à frente da organização do famoso Almoço de Natal, que acontece no dia 25 de dezembro na comunidade do Parque São Bernardo."




Distante, muito distante da nossa história oficial, há gente obreira, que atua em sua comunidade sem qualquer imposição de ordem financeira ou poder, sempre visando o bem comum. Estamos diante de dois desses casos e o depoimento de ambos nos convence da dimensão de seus respectivos papéis de cidadãos comprometidos.



"Seu" Marotti ou "Marotinho", como é carinhosamente chamado por muitos, assumiu seu compromisso social, sem o saber ainda, quando, menino. Levado por seu pai, participava ativamente de todas as atividades festivas do bairro. Erguia o pau de sebo, hasteava bandeira e acendia a fogueira nas festas juninas. Assim, foi tomando gosto e não mais deixou de se dedicar às causas da cultura popular, sempre envolvido com a gente ao redor (o bairro, a cidade).

E é com o envolvimento diário com sua comunidade, quer como festeiro, passando o livro de ouro entre conhecidos para, desde 1956, manter seu clube em plena atividade, cedendo sua sede à comunidade que necessita daquele espaço, quer como treinador de futsal feminino, campeã invicta nos jogos regionais, trabalho reconhecido que o levou e à sua equipe à Itália.

Transformar sua já tradicional festa junina e sua quadrilha premiada em megaevento para "turistas" jamais passou pela cabeça do seu Marotti, homem simples que toca essas atividades, com a mesma autenticidade que seu pai as mantinha nos anos 50 do Século passado, pelo simples prazer de servir, pelo simples prazer de fazer, provocar pertencimento às gentes do lugar, a festa no sentido mais amplo do paganismo e da religiosidade, exercício para a verdadeira Ágora. Aos 83 anos, permanece ativo e pronto a seguir com seu louvável trabalho comunitário.




Ditinho da Congada, começou seu depoimento assim: " A cultura vem da resistência e essa resistência vem de mais de 100 anos, começa com minha avó que nasceu em 13 de maio de 1888.. Minha tia ia no baile e só dançava com quem a tirasse para dançar antes da meia noite, porque depois da meia-noite, os homens só tiravam as pretas e as mais feias e ela dizia que "não era defunto amanhecido". 

Continua: "Meus pais decidiram vir para São Bernardo em 1963. Meu pai (Antonio Lemes, já falecido) trazia do interior de Minas, colher, prumo, nível e braços fortes. A proposta de meu pai era não voltar para a cidade natal, de onde saíra magoado. Com meu primeiro abono (Ditinho, hoje aposentado, foi metalúrgico durante 15 anos e posteriormente funcionário público, serviço onde permaneceu até a aposentadoria), comprei as passagens e voltamos."

Foi esse contato com as raízes, com as festas de cunho popular e, em especial,  a Congada que seu pai praticara antes com seus respectivos pais, que fez surgir a ideia de montar uma Congada em São Bernardo. Corria o ano de 1979.

"Montamos o grupo em 1980, meus 8 irmãos e 4 primos. Como não sei cantar como meu irmão que canta muito bem, fiquei com o apito e, intuitivamente, comecei também a usar um bastão que até hoje uso para comandar o grupo."

A primeira apresentação foi em 1981.
"Eu não sabia então que todos os grupos de Congada levavam nome de santo, o nosso não. Montar um grupo de Congada com o nome de "Parque São Bernardo", local tido como o "cordão da miséria" foi uma atitude política.

Começamos a dançar na rua, no dia em que não tinha tiroteio, mas o povo acabou achando que no dia que tinha "barulho" da Congada não havia tiroteio e a própria imprensa acreditou nisso, quando estampou em manchete que "Congada de São Bernardo traz paz". Na verdade, tínhamos "aviso" dos "chefes" do local, que nos liberavam ou não para a dança."
O grupo, hoje com 50 integrantes, cerca da metade composto por familiares, ganhou reconhecimento ao longo destes anos, tendo se apresentado em palcos prestigiados, como Memorial da América Latina, Oficina Três Rios, SESC, Revelando São Paulo e programas de TV como Som Brasil entre outros. A história do Grupo foi também objeto de estudo em nível de Mestrado por Jefferson Dias Corrêa, PUC, SP, sob o título "Grupo Folclórico Congada do Parque São Bernardo e a Construção da Liberdade".

Mas as atividades da numerosa família Lemes não se limitam a dançar congada, o que já não seria pouco. Um almoço comunitário para 50 crianças no  já distante natal de 1999,  idealizado por seu irmão José e elaborado por sua mãe, Maria do Carmo, a D. Cotinha, com a ajuda de toda família, chegou neste último Natal a ser servido para 5.000 pessoas, tendo ainda à frente D. Cotinha, hoje com 87 anos e o acréscimo de muitos voluntários.

Exercer a arte e servir são coisas que combinam bem na família Lemes, do qual Ditinho é legítimo representante. (dalila teles veras).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se você não tem cadastro no Google, pode deixar seu comentário selecionando a opção Nome/URL no campo Comentar como logo abaixo.