Foto: Fora do Eixo |
A antropóloga Érica Peçanha do
Nascimento, referência dos estudos sobre cultura da periferia, faz
considerações sobre a expansão dos saraus e da literatura marginal periférica
na cidade de São Paulo (06.01.14)
Eduardo Sales, José
Francisco Neto, José Coutinho Júnior, Jorge Américo e Simone
Freire
Érica Peçanha: "A relação entre território e identidade existe desde sempre".
Foto Fora do Eixo |
A cultura da periferia fala mais
alto. Na cidade de São Paulo, a literatura marginal periférica ecoa com
crescente vigor sobretudo a partir do final dos anos de 1990. A multiplicação
de saraus por toda a cidade reforça a cena (ou movimento), também influenciada
pelo Hip-Hop.
Referência nos estudos da
produção cultural das periferias, Érica Peçanha do Nascimento é antropóloga e
autora de Vozes marginais na literatura (2009). Em seu doutorado pela
USP, estudou estratégias de produção, circulação e consumo cultural na
periferia paulistana a partir do trabalho desenvolvido pela Cooperação Cultural
da Periferia (Cooperifa), que tem como principal atividade a realização de
saraus literários. Território e identidade são palavraschave para Érica. “Uma
vez que há coletividade, uma vez que há sociedade, sempre vai haver produção de
identidade”.
Em entrevista ao Brasil de
Fato, a antropóloga joga luz sobre a relação entre literatura marginal
periférica, saraus e mercado editorial, por exemplo, além de falar sobre o próprio
contexto de quem alimenta essa produção, o sujeito periférico. Um conhecimento
que surge para atender a cada vez maior demanda de leitores, universidade e
imprensa.
Brasil de Fato – Como toda essa
efervescência do movimento de saraus pela cidade de São Paulo, ajuda a
reafirmar a identidade de quem vive na periferia?
Érica Peçanha – A relação
entre território e identidade existe desde sempre. Uma vez que há coletividade,
uma vez que há sociedade, sempre vai haver produção de identidade e isso
independe de um movimento cultural ou artístico com determinados objetivos. Do
ponto de vista externo, abordando o processo de formação das periferias daqui
de São Paulo a partir dos anos de 1940 e 1950, sempre houve esse marcador de
diferença entre o centro e a periferia.
Então o território da periferia,
o espaço social da periferia também acho que virou adjetivo para uma série de
coisas. Durante muitas décadas morar na periferia era sinônimo de ser pobre,
restrição do acesso ao ensino; tem uma certa maneira de falar, já que as
periferias de São Paulo abrigaram muitos migrantes nordestinos e muitas pessoas
vindas do interior de Minas Gerais nas últimas cinco décadas.
Nos anos de 1970 e 1980,
principalmente por conta das organizações políticas, por meio dos movimentos sociais
reivindicatórios, sobretudo por conta da infraestrutura, houve uma movimentação
forte nas periferias na luta por creche, transporte coletivo, escolas, melhores
condições de moradia e, principalmente, pela atuação das associações de amigos
de bairro.
Havia uma forte atuação de
mulheres por questões que estavam mais ligadas ao ambiente doméstico, a postos
de saúde, da creche para os filhos, enfim. Houve certo avanço nos últimos anos
em relação a esses temas. Agora, nos últimos anos, os movimentos culturais vêm
trazendo outros tipos de reivindicações. E o Hip-Hop tem essa coisa
de dar voz a alguns direitos que o Estado em negando, ou denunciar os altos
índices de violência na periferia, de repressão policial.
Surge uma afirmação positiva em
ser da periferia. Ser da periferia não é só ser associado ao precário, ao ruim,
ao violento. Assume-se uma identidade periférica no sentido de reverter esse
estigma, dar outro significado a ele no sentido de dizer que ser da periferia é
ter orgulho de ter sido criado neste território, ter orgulho de dar voz a
outras pessoas, de expressar desejos e demandas de uma coletividade e, mais
recentemente também, é ter orgulho de ter uma cultura específica.
O sujeito periférico precisa
pertencer necessariamente ao território periférico?
Pensando no contexto de São
Paulo, esse que eu acompanhei mais, e acho que tem uma efervescência de fato
dessa coisa de movimentos de literatura marginal periférica, acho que devemos
pensar do ponto de vista histórico: quando é que essas coisas voltam à tona?
Tem a ver com a publicação das edições especiais da revista Caros Amigos,
a partir de 2001; e tem a ver, um pouco antes, com a publicação de Capão
Pecado, do Ferréz, em 2000.
Em 2001, Ferréz organizou a primeira edição da Revista
Caros Amigos - Literatura Marginal: A Cultura da Periferia. Foto Sesc SP |
As edições eram denominadas Literatura
Marginal- A Cultura da Periferia. Eram 48 autores, se a gente for pensar nas
três publicações. E se você fosse se perguntar: “Mas é marginal em relação a
que? É periférico em relação a que?” Se observarmos os currículos dos
escritores que publicaram você poderia pensar: é marginal em relação à lei
porque, afinal, tinham ali publicações de alguns ex-presidiários e
presidiários; é marginal e periférico em relação ao território porque muitos
ali identificavam seus bairros de origem, se afirmavam como moradores de
periferias e favelas. Era marginal do ponto de vista político porque havia um
texto da Maria Conceição Paganele, que era da Associação de Mães de Meninos em
Conflito com a Lei; era marginal do ponto de vista sociológico porque havia
textos também de indígenas naquelas revistas; podia ser um marginal do ponto de
vista sociológico se pensássemos na participação de mulheres; no sentido
cultural, se considerarmos a participação de alguns punks e de alguns
membros do movimento Hip-Hop.
Naquelas edições especiais da
revista havia uma pluralidade de possibilidades do que seria esse marginal, do
que seria esse periférico. Mas o predominante é que havia uma combinação de
marginalidades em cada autor, e a maioria era da periferia, das favelas. As
revistas foram publicadas até 2004 (2001, 2002, 2004). Eu creio que em função
muito da amizade que se criou a partir das revistas, da visibilidade que
elas tiveram, muitos daqueles escritores criaram relações e começaram a
desenvolver uma série de atividades nas periferias de São Paulo. É por isso que
a questão geográfica ficou mais forte, mas acho que isso não diminui a
possibilidade de se pensar em várias periferias, não apenas a geográfica.
Como analisar a questão da
oralidade nessa literatura periférica, ela funciona como um campo de atalho
pedagógico, político?
Se faz política não só pelos
meios tradicionais de se fazer política, mas por meio da produção cultural. Se
eu fosse pensar em criar a relação entre literatura marginal periférica e
política eu começaria a pensar a partir daí. Por que eu estou dizendo isso?
Primeiro, quando você fala em oralidade, isso evoca toda uma tradição não
letrada. Isso a gente vai encontrar na literatura periférica? Também. Se
pensarmos na importância do Rap, na tradição falada, de contar histórias e
compartilhar sabedorias de pai pra fi lho e nos remetermos até aos Griôts africanos.
E também pensar numa tradição não letrada por conta da dificuldade de acesso ao
ensino nas periferias. Mas, para além disso, acho que os saraus trazem uma
ideia de vocalidade, de que os textos ganham voz.
Por outro lado, a literatura da
periferia tem muito de uma tradição letrada também. Boa parte dos escritores
frequentou a escola, alguns freqüentaram a universidade. Eles conhecem os
autores chamados “clássicos” e os “não clássicos”. Os saraus trazem essa coisa
de dar voz aos textos, ou de criar textos não necessariamente que vão ser
escritos.
Do ponto de vista político, é
claro que tem alguns escritores que são mais ativistas e de saída se colocam
como ativistas e vão apresentar os seus textos como mais engajados. E por que
eu acho esses dois pontos relevantes? A literatura da periferia é produzida a
partir de um lugar, por sujeitos que de alguma maneira se relacionam com a
ideia de marginalidade ou periferia – econômica, social e política –, não só
tendo a ver com território. Tem a ver na posição social do autor. É uma
literatura que traz marcas específicas: com a escolha dos temas, a escolha dos
personagens, da linguagem. Na própria forma há gêneros que são predominantes: a
poesia, por exemplo. Há pouca prosa na literatura da periferia. Existe uma
maneira de escrever que evoca esses modos de vida na periferia, a valorização
disso. É se afirmar politicamente.
Se essa literatura vai expressar
culturalmente certas populações marginalizadas, então está colocando novas
questões para o campo literário. Traz temas novos, personagens novos,
linguagens novas, isso já é uma maneira de marcar o seu lugar no campo
literário e no campo cultural e valorizar essa “cultura da periferia” ou
valorizar toda uma tradição não letrada, por exemplo. É politicamente muito
importante. E mais do que isso, esses escritores têm uma ação cultural que é
engajada, uma ação que mobiliza pessoas em torno de direitos culturais amplos e
que, às vezes, desenvolvem ações.
Por exemplo, o sarau que estudei,
a Cooperifa. Nesses mais de dez anos que ela atuou eu presenciei ações
solidárias tanto em benefício dos freqüentadores do sarau. Eu me lembro do caso
de uma poetisa, por exemplo, que ficou grávida e vivia em condições muito precárias
e durante alguns saraus as pessoas se mobilizaram para organizar todo o enxoval
do bebê. Eu sei que isso acontece também em outros saraus. Mas pessoalmente eu
já presenciei o sarau ser utilizado para convocar as pessoas para
manifestações políticas, para plebiscitos, para reuniões de associações de
bairro, para campanhas contra a violência.
Nos livros clássicos ou nos mais
vendidos, os personagens negros não são protagonistas; nem as mulheres. Quando
eles são retratados, são marginais, ou bandidos, ou empregados. A literatura
hoje é escrita por quem e pra quem? Qual a importância de alguém da periferia
protagonizar esse movimento de escrever sobre a realidade local?
Desde os anos de 1990, existe uma
marca forte na produção literária brasileira que é a urbanidade. Desde Rubens
Fonseca, isso tem sido muito presente na produção literária contemporânea. Não
era novidade mais em falar de mazelas sociais, de favela, de periferias. Já
haviam sido publicados os livros Subúrbio de Fernando Bonassi, alguns
do Marçal Aquino; o Paulo Lins já tinha publicado Cidade de Deus, então a
grande novidade que surge a partir das edições da Caros Amigos-Literatura
Marginal é que aí estão os sujeitos desse universo, que passam a se
retratar na literatura.
Não se trata de representação de
certa realidade social, mas do modo como os sujeitos querem se representar e
querem ver os seus representados. Acho que essa é grande mudança. Mas para o
mercado, por exemplo, trata-se de um ponto de vista de um sujeito que quer se
retratar no plano literário, o que se agregava imediatamente ao valor da
autenticidade, como se fosse mais legítimo o Férrez falar sobre o Capão Redondo
do que qualquer outro escritor.
Para o mercado, isso tudo estava
sendo transformado, “são um grupo mais autêntico” ou que “tem mais legitimidade
quando fala da periferia”. Eu não tenho dúvida de que se vendeu muito livro a
partir disso. Esses escritores ocuparam um nicho de mercado importante.
Seguindo uma tendência que já havia se formado nos anos 1990. Não é
invenção a roda. A diferença que se agrega é do ponto de vista de quem é
de dentro. Contudo, embora tenha esse jogo do mercado, muitos escritores têm
mesmo o desejo de se afirmar como marginal, de se afirmar como periférico, de
se afirmar como negro pra atingir um público específico. Pra um menino que ta
lá na periferia e que tem um igual que também escreve, que virou notícia na
televisão porque escreve, porque faz cinema, é extremamente significativo. Eu
participei de pouco mais de 200 atividades nesses oito anos que fiquei
pesquisando, e tive a oportunidade de acompanhar também esses escritores em
escolas, também em ONGs; é impressionante o efeito pedagógico junto aos meninos
de favela e periferias.
Isso tudo ganhou força então nos
anos de 1990?
O termo literatura marginal vem
sendo usado há alguns séculos. Não é nenhuma novidade. Agora o que muda são os
significados atribuídos à ideia de literatura marginal. Por exemplo, a
literatura marginal pode ser qualquer literatura feita à margem do corredor
oficial de produção e divulgação; pode ser feita por um sujeito ligado a uma
minoria sociológica, como a literatura produzida por mulheres, por
presidiários, por indígenas.
Alguns consideravam Carandiru,
do Drauzio Varella, literatura marginal. Do ponto de vista externo, a
literatura marginal pode também se relacionar ao conteúdo de um texto ficcional
que se remete a um contexto de marginalidade econômica, social, política ou em
relação à lei. Pode ser muita coisa. O que que é importante pra contextualizar?
Aqui no Brasil essa ideia está associada com a década de 1970 e final dos anos
de 1990. Nos anos de 1970, por conta dos poetas da geração mimeógrafo, a ideia
de literatura marginal no Brasil ganha força a partir da visibilidade que alguns
poetas conseguiram, principalmente no Rio de Janeiro, em meio a ditadura
militar.
No final dos de 1990, também por
meio de jornalistas e pesquisadores passou-se a denominar essa determinada
produção literária, tanto a que abarcava esse conteúdo de marginalidade, tanto
aquela que tinha a perspectiva de um sujeito que vivenciava alguma condição
marginal. As duas coisas se misturavam, sobretudo por conta dessas obras, Capão
Pecado e Cidade de Deus. O Paulo Lins é originário da Cidade de
Deus e oFérrez, do Capão Redondo. E por conta do conteúdo também, porque
tinha já oSubúrbio, do Fernando Bonassi, o Carandiru, e começou a pipocar
o livro do Jocenir(Diário de um detento), do Roberto Mendes, e aí uma série de
produções que se voltavam para o cotidiano das prisões.
Está acontecendo a primavera da
Literatura Marginal?
A partir das edições especiais da Caros
Amigos, do início dos anos de 2000, é um terceiro momento que tem a novidade da
autoidentificação. Não são mais os pesquisadores, não são mais os jornalistas
classificando aquela produção, mas uma série de autores que se colocam em cena
se auto classificando como escritores marginais e periféricos.
Como o Hip Hop, a Literatura
e os Saraus se complementam, se relacionam?
No livro Capão Pecado a
gente tinha presença de rappers escrevendo textos. E de letras de Rap presentes.
Isso já demonstra afinidade, que é política e é estética também entre essas
duas manifestações desse distintos movimentos culturais.
Sobre os saraus, mais uma vez
esses elementos se misturam porque vemos váriosrappers declamando suas
letras de Rap. Existe uma série de poetas que não estão declamando rap,
mas se você não conhece, poderia jurar que é uma letra de rap, por conta do
corpo ser tão próximo e da performance ser tão próxima do rapper cantando
ou declamando. Para além disso, há muitos rappers que passaram a
escrever outros gêneros literários por conta dessa aproximação com os saraus,
por conta dessa aproximação da literatura marginal e periférica.
Trata-se de movimentos que
compartilham um repertório social em comum. Social porque são dois movimentos [Hip
Hop e saraus] gerados na periferia, de sujeitos que atuam nas periferias.
Para além disso, ambos se expandiram criando um mercado alternativo, criaram
suas próprias estratégias de produção e circulação. Então acho que também aí os
escritores são tributários de tudo que o Hip Hop criou, dessa forma
de circulação e criação.
Qual o papel dos saraus junto às
comunidades?
A fundo, eu estudei o Sarau da
Cooperifa, que estabeleceu uma forma de fazer saraus na periferia, de relação
com a imprensa, entendendo o jogo deles. Ninguém é inocente lá. Tem maior
visibilidade dentro e fora do país.
Em relação aos outros saraus, há
um desejo de aumentar a sociabilidade entre as pessoas do bairro; que se
encontrem, compartilhem suas ideias, suas produções artísticas. Motivar também
a comunidade à organização política, para falar sobre os problemas do bairro.
Criar vínculo com a comunidade também tem esse sentido. A impressão que eu
tenho é que há desejos desses tipos de vínculos comunitários.
A distribuição ainda é um gargalo
para essa produção literária?
Muito da produção não chega às
livrarias. Muitos acadêmicos que estudam essa cena têm, até mesmo, difi culdade
de ter acesso a certos autores, poetas. Mas hoje em dia temos a Suburbano
Convicto [editora], blogs, e pode-se comprar diretamente com os
escritores. Esse modelo acabou sendo uma marca do movimento.
Mas não se poderia atingir mais
pessoas?
Aí é cada pessoa que escolhe. Eu,
por exemplo, publiquei meu livro numa editora pequena, é uma escolha minha.
Para alguns escritores, isso pode ser intencional, de circular ou na periferia
ou para um certo tipo de público. E não tenho dúvidas que os escritores são os
maiores vendedores dos seus livros. Se alguém me pergunta sobre o que eu
aprendi com os escritores da periferia uma delas foi vender livro.
Como é a aceitação destas obras
na periferia por pessoas que não frequentam esses espaços?
Tem várias lacunas nos meus
trabalhos, uma delas é essa com o público leitor. O que eu noto das palestras,
e estou falando de uma perspectiva de quem nunca estudou o tema do público
leitor a fundo, mas com base no que observei nas palestras, esses têm alguns
tipos de público.
Quando são eventos de reflexão,
vão os frequentadores do sarau e a meia dúzia de pesquisadores que estão
fazendo TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], mestrado ou doutorado. Quando são
palestras específicas, como em escolas, universidades, CEUS, são alunos, pais
de alunos, professores, e essas pessoas não frequentam o sarau.
Após a publicação da Caros
Amigos, como você observa a produção dessa literatura? Ela se massificou? Houve
mudanças estéticas na produção nesta última década?
Existem coisas que me espantam
muito. A primeira é a variedade de termos que surgiram para classificar essa
produção. Quando comecei a estudar, o termo era “literatura marginal”, e eu já
estava lá me matando para entender o que era isso, pois englobava Ferréz e
Dráuzio Varela. Depois, ao longo do mestrado, era “literatura marginal” e
“literatura periférica”. Tanto que para nomear os autores que eu estudei, uso
“literatura marginal da periferia” ou “literatura marginal periférica”.
Nos últimos anos, surgiram mais
termos como “literatura hip-hop”, “literatura suburbana”, “literarua” e
mais recentemente “literatura divergente”, que mesmo que as pessoas
classifiquem como sinônimos, não são a mesma coisa, pois diversos autores podem
ser associados a cada uma delas, diferentes obras e atuações culturais.
A segunda coisa que me espanta é
o interesse acadêmico por essa produção. Quando comecei a estudar, não tinha
nenhum trabalho acadêmico publicado, só que na última vez que contei eram 27,
sendo que 14 deles na área de Letras, enfrentando os textos. Fora as dezenas de
TCCs sobre o tema: dou de 10 a 15 entrevistas por ano para alunos que fazem
TCC. É um número muito grande.
Para além dos trabalhos
acadêmicos, me espanta também, positivamente, que dezenas de obras da periferia
tenham sido incorporadas a cursos de graduação e pós-graduação. Eu mesma fi z
um curso de literatura brasileira contemporânea que tinha um módulo para
estudar literatura marginal. Tudo bem que eram só as obras do Ferréz, mas o
módulo estava lá. A terceira coisa que me espanta é o número de obras que foram
lançadas. Quando eu comecei a pesquisar, cataloguei 15 livros, de prosa e de poesia.
Quando estava terminando o doutorado em 2011, até dezembro de 2010, eram 72
obras.
Do ponto de vista estético, os
textos da época da Caros Amigos predominantes eram poemas, calcados
em uma temática que valorizava os espaços e sujeitos marginais, baseados no
contexto da periferia, falavam muito de pobreza, violência, problemas sociais,
situações relacionadas ao trabalho, à polícia, à falta de direitos, protestavam
contra o Estado. Eram textos que destoavam da norma culta, de regência verbal e
uso do plural, calcados em gírias da periferia, neologismos, como “truta”,
“loko”. Esses primeiros textos eram acompanhados de um cuidado visual, alguns
com grafites, outros com desenhos que dialogavam com o texto de alguma forma.
No meu doutorado, como usei o termo
“geração” para diferenciar os poetas marginais da década de 1970 dos
contemporâneos, eu já arrisco dizer que podemos pensar em duas gerações desse
movimento de literatura marginal periférica: a geração dos autores que está
ligada aos autores que publicaram na Caros Amigos e naquele contexto
de efervescência, e uma geração formada pelos saraus. Essa pode ser uma chave
para pensarmos as diferenças ou continuidades estéticas da produção,
considerando que são duas gerações muito distintas, dentro do mesmo movimento.
(http://www.brasildefato.com.br/node/26996#.UssjrnDPpNg.email
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