terça-feira, 16 de outubro de 2012

Para não falar de sentimentos

Simone Massenzi Savordelli

Engajada que estou com as questões culturais de nossa região, fui tomada por uma gratificante atribuição em participar do Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC, e a engrenagem natural da participação e do afetuoso acolhimento de todos os integrantes da equipe me levou à este lugar escrito.
No ponto de partida veio a dificuldade de “o que escrever” e “como escrever”, sendo uma simples curiosa.
Eis que os pensamentos não descansam e a todo instante os sentidos ficam aguçados em busca de ideias e ideais.Tornei-me pessoa de olhar mais atento e sensível. Os detalhes passam a ter outra importância.
O pensar incessante faz sempre refletir no passado e seguir para o caminho da memória com o relevante questionamento sobre o quanto a preservação da memória pode ser esquecida. A memória esquecida. Um tanto triste.
Falar em preservação da memória remete à lembrança simples de museus, de conjuntos arquitetônicos e monumentos que devem ser mantidos, documentos e registros que precisam ficar bem arquivados, fotos que devem ficar em gavetas e histórias que nunca são contadas.
É um pensamento muito simplista tendo em vista que a memória, assim como a cultura, é um direito do cidadão e faz parte do patrimônio imaterial da sociedade, conforme consta da Constituição Federal, artigo 216: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (...)”.
Todo o conjunto de ações dos nossos antepassados, não só na construção arquitetônica das cidades, mas que difundiram costumes, tradições, expressões culturais e que foram noteadoras da evolução social são fundamentais ao estado da sociedade atual e ao futuro.
Falar em memória é remeter à necessidade da preservação destas ações e de suas consequencias reveladas nas mais variadas formas e nos mais variados meios de expressão e de comunicação. Mas, falar em preservação não significa limitar a consciência simplista de uma sociedade guardiã que abraça e fecha a memória em um grande baú.
A preservação da memória deve visar a publicidade destas ações, deve priorizar a disponibilidade dos bens públicos ao acesso da população, com medidas socioeducativas para o desenvolvimento do cidadão e do pensamento crítico.
Preservar memória não significa manter o “velho” como antigo, mas sim tornar o passado conhecido, atual e uma ferramenta de instrução e de formação. Não pode ter limite na contação da história, a história deve ser um instrumento de saber e de reflexão.
A preservação da memória dentro de uma valoração intangível deve ser transformada em um bem material calcado na origem que estimula não só o senso crítico do cidadão, mas que também possa ser um objeto de transcedência que leve o olhar ao estado de prazer, beleza, contemplação e emoção.
O estímulo dos sentimentos que tocam o intangível deve servir como fundamento para a apropriação da arte, da poesia, da literatura, da música, da dança, da religiosidade e das manifestações folclóricas como expressão material de cultura e como resultado de reflexão e de desenvolvimento educacional.
Inculcar. Repetir várias vezes para gravar no espírito sentimentos de preservação à partir dos lares pela tradição, pela história da própria família, pela importância dos objetos familiares e pela permanência efetiva das sensações que são descobertas com o redescobrir todas as facetas do passado, prestigiando os sonhos, os mitos, o imaginário. Partir do individual para o coletivo em prol do desenvolvimento social.
Preservar para redescobrir. Preservar para tornar conhecido. Preservar para termos onde nos agarrar e para não perdermos a nossa identidade. Preservar para educar.
Para não falar em sentimentos, prefiro falar em memória ativa, aquela que se mantém viva e gera fazer. 

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