segunda-feira, 11 de março de 2013

Necessidade de romper o silêncio e construir o diálogo


Júlio Mendonça

Os dois textos que apresentamos a seguir foram escritos sem que as suas autoras tivessem se comunicado, previamente, a respeito. No entanto, assim que os lemos, percebemos que eram complementares e tinham como preocupação comum os acontecimentos recentes envolvendo a atual gestão municipal de Santo André na área de cultura que desencadeou o “Movimento Cultura Viva Santo André”. Os textos são de Simone Zárate e de Simone Massenzi e tratam, respectivamente, de barulho e de silêncio, de movimento e de repressão.
O texto de Simone Zárate, “Movimento Cultura Viva Santo André: a sociedade quer diálogo”, nos lembra a todos – por meio do exemplo tortuoso de Santo André – que a história da construção da atuação do poder público na área de cultura é uma história de lutas. Uma história de criação, de participação cidadã (num certo momento, induzida pelo poder público), mas também de desmanche, populismo e clientelismo. Zárate pontua e destaca os momentos dessa história nos quais, em meio ao silêncio da maioria da população em relação às questões da cultura (talvez porque não sinta falta do que não teve oportunidade de conhecer), vários cidadãos e movimentos insistiram e insistem em fazer barulho porque é preciso romper o silêncio que acomoda e interessa aos que detém o poder e não querem compartilhar e dialogar.
O texto de Simone Massenzi fala do silêncio imposto pelas situações de censura, de privação da liberdade de expressão e de diálogo. O silêncio imposto de modo explícito ou velado, por ação ou por omissão – são formas de repressão dos movimentos que a sociedade constantemente realiza (porque somos todos participantes dos movimentos da cultura, mesmo quando não nos deixam nos sentirmos parte deles). Massenzi lamenta a falta do espírito público por parte daqueles que, por estarem no exercício de um cargo público, deveriam ser os primeiros a fazê-lo, de fato, público. Os feitos artificiais, a política de eventos de entretenimento e a cooptação de alguns setores da produção cultural, são elementos já tristemente conhecidos da cortina de fumaça criada pelos que detêm, momentaneamente, o poder e não estão preparados para exercê-lo com o diálogo democrático amplo, aliás, preconizado pelo recém-criado Sistema Nacional de Cultura.

Dois textos sobre a necessidade de romper o silêncio e construir o diálogo.

foto: Marcello Vitorino
 
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Censura
Simone Massenzi Savordelli

“Pena eclesiástica que priva os fiéis dos bens espirituais”. “Crítica com o fim de corrigir; repreensão”.  “Exame dos escritos, jornais, peças de teatro, desenhos, etc, feito antes da publicação, por agentes do governo”. Censurado: desaprovado.

A censura existe desde que o mundo é mundo. Sempre houve, e sempre haverá aquele que se entende imbuído de autoridade tamanha a ponto de privar a liberdade alheia, seja em prol de uma imposição de governança, seja em prol de imposição de uma ideologia, seja em prol de uma “escusa”, ou simplesmente de autoridade pela autoridade. Fato é que há censura. Se a censura não estivesse aí, não teríamos que, ao longo da história, nos deparar com grandes movimentos de rupturas sociais, de costumes, de pensamento, de regime político. Seres políticos que somos, estamos sempre em movimento: agindo e reagindo.
À censura tem-se um ato, um agir representado pela repreensão, pela desaprovação, pela proibição. Ato este que também pode se dar de maneira oblíqua. Pode existir veladamente nas entrelinhas, ou nas ações que são mascaradas por “não ações”, nas omissões.
Mesmo dentro do estado democrático de direito, com plena liberdade de expressão garantida constitucionalmente, há quem pensa censurar.
Sim. “Pensa censurar” porque, de fato, a voz não se cala diante daquele que não quer ouvir. A pressão omissiva até pode ter um intento de repressão. Pela “não força” se tenta fazer calar e pelo silêncio se tenta impor um estado unilateral de conceitos.
Sorte que neste mundo existem seres pensantes e enquanto existir o pensamento e a liberdade de expressão, o “não ouvir”, além de não ter significado algum, ainda dará forças à sociedade organizada para a defesa de seus ideais.
A conduta omissiva prejudica tão somente aquele que se omite porque deixa de evoluir e deixa de atender ao anseio social.
Infelizmente, ainda nos deparamos com pessoas que pensam que o governo é de um partido político e que deve privilegiar alianças e poucos interessados.
Já é hora de todos entendermos que o governo está para o povo, deve ser isento, imparcial e deve se calcar pela participação e somente há participação com o diálogo, com ações em prol do coletivo e do bem comum e, não é novidade nenhuma que o único ente político legitimado a dizer o que é adequado é a sociedade.
A sociedade já está farta de encontrar governos que se utilizam da mídia para divulgarem grandes feitos artificiais e distribuir sorrisos e cobra uma atuação mais profunda quanto às questões de políticas públicas em todas as áreas, e questões que exigem o pensamento crítico, respostas e ações concretas de longo prazo.
Há a necessidade de dar ao cidadão condições dignas de evolução do pensamento para que a sociedade possa progredir diante de tanta informação e tecnologia e a cultura é o caminho da formação. A cultura não pode mais ficar relegada a um segundo plano, oculto, esquecido, e sendo tratada como política de entretenimento.
O entretenimento é necessário, mas é o final de todo um processo construtivo e rico em planos e ações que gerem conhecimento, desenvolvimento e que movimentem a economia de um setor na sociedade.
A sociedade deseja encontrar governantes atentos às suas atribuições, com instinto profissional e que estejam dispostos a atender reivindicações por acreditarem que o único ser autorizado a dizer o que é melhor para a sociedade, é a sociedade. Governo participativo superficial e faz de conta já não convence mais.
A sociedade não se cala. Pode até encontrar o “não ouvir”, mas não se cala.

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Movimento Cultura Viva Santo André:
a sociedade quer diálogo*

 

Simone Zárate


“Pela criação de uma biblioteca municipal e de um salão de conferências”. Esta foi uma das propostas do programa dos candidatos do Partido Social Trabalhista às eleições municipais de 1947 em Santo André. Os candidatos (prefeito e parlamentares) venceram as eleições, porém, foram impedidos de exercer seus mandatos em virtude de problemas políticos em âmbito nacional. A biblioteca municipal foi criada sete anos depois, em 1954.

A história de lutas pela atuação cultural do poder público em Santo André é antiga. Passou por diversos atores e propostas de acordo com os tempos vividos. Santo André é uma das cidades da região conhecida como Grande ABC (A de Santo André; B de São Bernardo; C de São Caetano), localizada na região metropolitana de São Paulo; região que teve seu desenvolvimento impulsionado pela indústria; região de lutas operárias e sociais, mas também de movimentos artísticos e culturais.

Desde 1954 a prefeitura de Santo André intervém no desenvolvimento cultural da cidade. Para o bem e para o mal. Mas foi no início dos anos 90 do século passado que uma atuação incisiva do poder público municipal nas questões culturais tornou-se evidente. Refiro-me à primeira administração do Partido dos Trabalhadores na cidade: criação de novos equipamentos e programas, descentralização de serviços e de poder de decisão, indução da participação social na construção de políticas públicas (com acertos e erros inerentes a qualquer projeto inovador). Não foi um privilégio de Santo André, mas de muitas outras cidades administradas por um partido político que em âmbito nacional contava com reflexões acerca da importância das políticas culturais. Políticas culturais que dissessem não ao clientelismo de balcão (individual ou corporativo) e que induzissem à reflexão e à cidadania – poética e crítica.
Muitos dos que hoje participam do Movimento Cultura Viva Santo André participaram também desse período histórico da atuação pública na cultura da cidade, bem como de outros movimentos. Como usuários de serviços culturais, como artistas, como críticos, como trabalhadores, como militantes.  Em 1993, tempos bastante diferentes dos atuais, o Fórum Permanente de Debates Culturais – que retomou suas atividades em 2007, que retomou suas atividades em 2007, colheu milhares de assinaturas contra o “desmanche cultural” ocorrido na mudança da gestão municipal e realizou o Seminário Cidadania e Cultura; em 2009, o Movimento Livre S.A, realizou ato público para sensibilizar o prefeito recém-eleito sobre “a importância do setor cultural para a cidade”. Em 2013, a reivindicação é pela construção conjunta das políticas culturais (e talvez sempre tenha sido: em cada tempo a seu modo).

A participação da população na construção de políticas públicas é um processo longo e de aprendizado conjunto em todas as áreas, porém, na área cultural, algumas questões sempre acabam permeando as conversas sobre o assunto: a população não expressa desejo por cultura; a cultura não figura entre as prioridades – nem de governos, nem de cidadãos; o interesse por políticas culturais gira em torno de interesses pessoais e/ou corporativos. Correto em parte: durante muito tempo (e ainda hoje) testemunhamos reivindicações umbilicais, para o “quintal lá de casa”, o financiamento ao meu segmento artístico. No entanto, gradativamente nos últimos anos, essas preocupações corporativas vêm sendo ocupadas por preocupações com o coletivo, por preocupações com as diretrizes da política cultural não apenas em relação aos segmentos específicos, mas em relação à cidade.

No Brasil, a ocorrência desta mudança certamente está associada à política do governo federal, especificamente do Ministério da Cultura, que a partir de 2003, dentre outras ousadias, praticou a ampliação do conceito de cultura na política estatal, estimulou a participação social através de conferências, seminários, fóruns, colegiados, etc. e implantou o Programa Cultura Viva, cujas diretrizes são o empoderamento, o protagonismo e a autonomia de “fazedores” culturais dos diversos cantos e recantos do país. A cultura além das artes e do patrimônio, a cultura feita pelo povo e o Estado como indutor. Somamos a isso as transformações nas relações sociais advindas da internet, especialmente das redes sociais e dos movimentos de software livre: horizontalidade e processos colaborativos.

Um governo eleito sempre possui algum programa, bem como responsabilidades e limitações legais e orçamentárias, porém, tais limitações não impedem a abertura de diálogo. Por mais iluminada e bem intencionada, uma política cultural de gabinete não refletirá a realidade, os desejos, dinamismos e necessidades da população. Apenas desta constatação já deveria partir a necessidade de construção conjunta, resultado da somatória de informações, possibilidades e limitações do governo e da sociedade traduzido em programas e ações, mas também espaço de explicitação e resolução pactual e transparente de legítimos e necessários conflitos.
O Movimento Cultura Viva Santo André, ao que tenho observado (ver gravações das reuniões no fim do post) e ao que consta em carta entregue ao prefeito e vereadores eleitos (contendo 13 tópicos, alguns dos quais reforçando  propostas do Programa de Governo da atual administração veiculado durante a campanha eleitoral), não se pretende de oposição e não é corporativo. Ao contrário, está permeado pelo desejo de diálogo, pela construção coletiva, pela autonomia, pela descentralização de poderes e de lideranças, pelo desejo de políticas culturais para a cidade que proporcionem o direito à efetiva cidadania. Quer participar politicamente, no sentido de discussão da pólis, e com isso se fortalece.

Como cantado por Mercedes Sosa, "todo cambia". "Cambia lo superficial, cambia también lo profundo, cambia el modo de pensar, cambia todo en este mundo". Como o próprio significado da palavra, os Movimentos também mudam, vão e vem, adormecem em alguns períodos e permanecem atentos em outros. Porém, o acúmulo cultural, poético e crítico são ressignificados e permanecem presentes. Oxalá!

*(Texto originalmente publicado no blog Musing on culture) 

Um comentário:

  1. Simone Massenzi e Simone Zárate, parabéns a ambas pelos artigos! Belo texto de apresentação de Julio Mendonça!
    O regime militar censurou vozes, músicas, novelas, peças teatrais...Muitos nem conseguiram ver nascer a democracia, porque estavam mortos pelas mãos dos ditadores. Portanto, todo cuidado é pouco, pois, ao contrário, há sempre a possibilidade de um retrocesso.
    Viva o Movimento Cultura Viva Santo André!!!

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