sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Carlos Gomes, chaminés e memória

Valdecirio Teles Veras
A Região do ABC perde, aos poucos, seu referencial como um pólo industrial. As fábricas estão sendo substituídas por shoppings e edifícios residenciais. Numa reunião recente de antigos metalúrgicos no espaço denominado Celso Daniel, em São Bernardo do Campo, ouvi um deles lançar um desafio, indagando aos participantes do evento, quem sabia o nome da indústria que existia ali perto onde hoje funciona uma rede de supermercados. Poucos souberam. E esta foi uma alteração urbana bem recente. Ou outra, ainda mais recente, completou ele, onde estava instalada a Fiação Tognato? Novamente, poucos souberam responder. Os pontos que lembram o ABC industrial estão desaparecendo com os antigos moradores.
Em outros países há o costume de colocar nas antigas edificações anotações como aqui nasceu ou morou cicrano, beltrano. Poderíamos, em hipóteses de novos empreendimentos modificadores da paisagem urbana, afixar placas com referência aos antigos prédios.
Hoje, lanço aqui um desafio, um exercício de memória: onde estão as chaminés do ABC? Há poucas, mas ainda é possível ver algumas delas, bonitas, altas e imponentes, como aquela que o Conde Matarazzo mandou construir. O Vereador Joel Fontes, em São Caetano do Sul, apresentou, em 2010, um projeto de lei dispondo sobre o tombamento da chaminé das antigas Indústrias Matarazzo. Não tenho conhecimento do rumo que tomou esse projeto.
A região é nova. Para se ter uma ideia, um dos pontos referenciais da cultura regional, o Cine Carlos Gomes, conta apenas com pouco mais de um século, sendo que, ainda assim, é um dos mais antigos do Brasil. Alvo do descaso de sucessivas gestões, sofreu recentemente uma intervenção desastrosa e, agora, sem telhado e sem a marquise que sustentava as paredes, se não forem tomadas as medidas solicitadas pelos integrantes do Movimento SOS Carlos Gomes, não resistirá às próximas chuvas. A lamentar.
O certo é que estes marcos da história da região precisam ser preservados, inclusive alguns prédios onde funcionaram indústrias, quem sabe, transformando-os em monumentos culturais. A colocação de placas com dizeres como AQUI TRABALHOU GENTE, a exemplo das que vi na cidade do Funchal, poderiam ser um exemplo "didático" inicial de chamar atenção para a prática de se lembrar da história e dos cidadãos que fizeram a história local, aplicando-a nos prédios e monumentos que tenham "histórias" para contar.
O ABC bem que comportaria uma biblioteca temática voltada à região e à sua produção cultural e intelectual. O mesmo se diga sobre o movimento operário, mas isso será motivo para outras abordagens. Se outros não pensarem antes.

2 comentários:

  1. A questão da preservação da memória, seja de uma pessoa, de equipamentos públicos ou particulares que compõem o aspecto arquitetônico da cidade em sua origem, ou do aspecto histórico-social, é, no meu entender, um desafio que segue à margem. Atualmente vale o imediatismo, o descartável e o sucesso rápido. Vale o conforto urgente. Para essa necessidade ansiosa da sociedade moderna, atropela-se a história. A preservação da memória deveria começar dentro de casa com a utilização do tempo para a contação da história familiar, para o resgate dos locais em que nossos antepassados nos preparam o caminho. O mesmo com as nossas indústrias antigas cujos prédios poderiam ter sido preservados e adaptados às modernas exigências sociais e tecnologicas, ou adaptados para finalidades culturais à exemplo do que acontece em outros países. Observa-se que países que passaram por profundas perdas durante a guerra, pensam a preservação. Deve ser porque sabem o significado da perda. Obrigada, caro Teles, por lembrar as lembranças esquecidas.

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  2. Esqueci de assinar o comentário: Simone Massenzi Savordelli.

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