segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Uma Certa Livraria

 
Aberta ao público desde o último dia 29 de agosto, no Gambalaia, Rua das Monções, 1018, Santo André, SP, a exposição "Uma Certa Livraria", de Mariano do Amaral, artista extraordinário, cujo trabalho acompanho e admiro há muitos anos. Abaixo, texto de apresentação da exposição, que merece ser visitada: 


A arte de Mariano e a permanência da utopia

                                                dalila teles veras


            A contundência destes desenhos nos diz que a utopia humana está mantida, ainda que dolorosamente lembrada. Não a utopia representada por ideias político-ideológicas, mas a  utopia como dimensão permanente de humanidade, que inclui o cultivo do sonho, essa capacidade humana de transcender o real através do imaginário, o sonho como revelação do real, que a arte de Mariano do Amaral tão bem realiza.
            Para além da arte, o homem irremediavelmente comprometido com sua consciência democrática é aqui identificado, o homem que pratica o humanismo em sala de aula e fora dela, o humanista que transporta para a arte sua visão de mundo, sem jamais resvalar no panfleto e sem descuidar da preocupação estética.
            De acordo com seu autor, estes trabalham significam uma "manifestação pictórica do tema", referindo-se à obscuridade em que o Brasil mergulhou por duas décadas, sob a égide da força e da tortura, violência de um regime de exceção que justamente tentava calar a voz das utopias ou o registro delas.
            Aqui evocados, a livraria, a palavra e o livro, armas perigosas a combater. A palavra despida diante do algoz que dela tem medo e dela quer se livrar pelos meios mais torpes. Livros suspeitos que certas livrarias, ainda mais suspeitas, escondiam. A pena nua diante do torturador de sonhos; a pena que anota, com tintas invisíveis, a liberdade aprisionada, tintas para um futuro revelado e revelador, para a utopia do nunca mais.



            Sublinhe-se que neste caso, a palavra "livraria" não é mera metáfora. Os bons leitores, frequentadores de livrarias, como Mariano, sabem que essas casas "suspeitas" são fiéis depositárias de ideias e, num tempo como aquele, sem perspectiva de futuro, representavam a resistência pelo  armazenamento das utopias que tentaram emurchecer. 
A pena de Mariano, inserida nesse agora futuro democrático, não se vale do alfabeto para revelar. A pena de Mariano (re)vela  e manifesta pictoricamente essas utopias, (re)afirma a arte como condição indispensável ao seu cultivo.
            A arte de Mariano consegue extrair beleza das memórias tenebrosas, porque a arte verdadeira é isso, mostra que nem sempre o belo é bom e vice versa.
Bom mesmo, de maneira inconteste, é fruir desta arte desse nordestino paulista  brasileiro universal, artista grande que se esconde atrás de uma imensa modéstia, qualidade pouco vista e cultuada na sociedade do espetáculo e da celebridade instantânea.
            Vida longa e caminhos vários certamente estão reservados a estas obras,  significativas e significantes, na arte e na vida que, neste caso, são inseparáveis.

Um comentário:

  1. É isto: mesmo "naquele" tempo a arte não deixou de existir. Viva os Marianos que não deixam o tenebroso tempo no esquecimento. É preciso continuar denunciando. Para êle, de minha autoria:
    Que pena
    Da pena
    Que pena
    E empena.
    Que pena?
    A pena
    Apenas
    Apena
    E empena.
    É pena,
    Não pena.

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